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Futuro das cidades

“Acima de tudo, Medellín recuperou sua autoestima”, avaliam designers que conhecem cidade de perto

Visão aérea de Medellín, na Colômbia. Apenas cidades como Suzhou (China), Nova York (EUA) e Bilbao (Espanha)  já receberam o Lee Kuan Yew World City Prize. | RAUL ARBOLEDA/AFP
Visão aérea de Medellín, na Colômbia. Apenas cidades como Suzhou (China), Nova York (EUA) e Bilbao (Espanha) já receberam o Lee Kuan Yew World City Prize. (Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP)

No último mês de março, a cidade de Medellín na Colômbia, ganhou o Lee Kuan Yew World City Prize. Para o júri da premiação, organizada pela administração da cidade de Singapura, a originalidade e a ousadia são características dos projetos que mudaram Medellín nos últimos anos. Libia Patricia Peralta Agudelo e Eloy Casagrande Jr, designers e professores da UTFPR em Curitiba, conhecem bem a realidade de Medellín e concordam com as justificativas para o prêmio. Saiba por que:

O prêmio que Medellín ganhou, o Lee Kuan Yew World City, é um reconhecimento pelos esforços feitos em vários sentidos, nos últimos anos, na cidade. De programas de habitação à redução de índice de homicídios. Você conhece Medellín há quanto tempo? Qual a sua percepção quanto às melhorias feitas na cidade?

Eloy : Conheço Medellín há 16 anos e o prêmio foi mais do que merecido! A cidade estava tomada pelo tráfico de drogas e todo tipo de criminalidade inimagináveis até a morte de Pablo Escobar, no começo dos anos 1990. A Dra Libia Patricia Peralta Agudelo, que é minha esposa e professora do curso de especialização em Construções Sustentáveis, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), viveu um período em Medellín. Sua mãe e irmãos ainda vivem lá, por isto acompanhamos todo o processo, nas visitas anuais à família.

Comecei a ir a Medellin no ano 2000, quando começou-se a pensar a cidade por meio de uma arquitetura integradora e muito investimento na educação como elemento de transformação. Seu lema foi: “Medellin a cidade mais educada”, reformando escolas, criando hospitais de qualidade e construindo os parques-bibliotecas nas áreas mais violentas, além de museus interativos e áreas de convivência comunitária. Projetos como Orquideorama do Jardim Botânico, os parques Explora e dos Pés Descalços, o Planetário – todos são de níveis equivalentes ao que se pode encontrar na Europa ou Estados Unidos.

A partir de 2004 inauguraram-se o “Metrocable”, os teleféricos que hoje transportam quase 600 mil pessoas de forma integrada ao metrô. Medellín fica num vale e as pessoas mais pobres foram ocupando os morros, como no Rio de Janeiro. O tempo para se deslocar para o centro da cidade poderia levar até 2,5 horas; hoje isso se faz em meia hora. Há bairros como o Comuna 13/San Javier, onde se colocaram escadas rolantes onde se sobe 130 metros para se chegar ao topo, integradas como os teleféricos. É uma atração turística. Vê-se estrangeiros todos os dias indo [para lá] e as pessoas da comunidade têm orgulho de onde moram. Fizeram oficinas com grafiteiros e encontra-se arte nos telhados e nas paredes das casas. Não se encontra uma pichação ou vandalismo! Já em 2013, a cidade ganhou o título de “cidade inovadora” do Urban Land Institute.

Patricia: Conheço Medellín desde que nasci, porque a minha mãe e a familia dela nasceram lá e sempre íamos de Bogotá a Medellín de avião para passar as férias e festas familiares. Medellin sempre foi uma cidade alegre, com a sua gente descontraída, devido a um clima muito ameno e às tradições culturais muito arraigadas, tanto na culinária como na música. O departamento de Antioquia, onde Medellin é capital, é terra fazendeiros e de agricultores de café, milho e flores. Apesar disso, na década de 1970, a cidade iniciou um declínio moral, devido a vários grupos que se aproveitaram do clima, e da topografia quebrada desta região no meio do Andes. Entre os mais perigosos estão os contrabandistas de ouro e esmeraldas e, posteriormente, o cartéis de drogas, principalmente de cocaína. Assim, Medellín se transformou em uma das cidades mais violentas da Colômbia. Isso abalou a sua gente, sem ainda destruí-la. As mudanças que observamos hoje, não foram lentas, foram rápidas e devido a uma gestão municipal muito forte e organizada em sintonia com os empresários e o poder público em prol de implementar mudanças radicais e urgentes para reverter o quadro desolador em que a cidade se encontrava.

Nesta iniciativa, assim chamada de “acupuntura urbana”, várias ações foram realizadas ao mesmo tempo, em vários setores. Tanto em questões de urbanismo, envolvendo a recuperação de setores da cidade que eram críticos, tais como as favelas mais tomadas pelo tráfico, até locais degradados que tinham se tornado setores intransitáveis e perdidos para a população de bem, tais como o Centro da Cidade, a Praça Maior e Centro Administrativo da Alpujarra. Já em questões sociais, Medellín era uma cidade sem espaços verdes, com traçado urbano caótico e as vias quebradas do Vale do Aburrá, que corre esguio entre duas cordilheiras andinas. Aqui, a administração junto com arquitetos e urbanistas revitalizaram áreas industriais abandonadas e criaram espaços de lazer interativos monumentais e gratuitos para as populações mais carentes, assim chamadas de”estrato A” e com acesso direto pela linha do metrô. (...)

Ao mesmo tempo, Medellín procurou atrair investidores e empresas para o Centro, para reocupar esse espaço de forma mais organizada. Para isso, foram criados edifícios tais como o Ruta N, que abriga empresas startups. (...) Já no âmbito social, foram criados parques nas favelas, e o Metrocable, que tornou estas comunidades acessíveis e mais seguras. Cada bairro ou comuna, recebeu o projeto ganhador de concursos de arquitetura para construir a seu parque-biblioteca. Assim, estes bairros marginalizados se tornaram objeto de orgulho dos seus habitantes e centros de turismo, já que cada projeto é sensacional e arrojado. Desta mesma forma também foram construídas creches e módulos policiais em cada bairro.

Os esforços da cidade colombiana não sejam apenas do poder público, mas muito da comunidade, não?

Eloy: A comunidade aprendeu com o processo, que foi participativo e com propostas ousadas. Teve até decreto municipal de planejamento local e o orçamento participativo. Houve diversos cursos de capacitação para o pessoal local administrar e cuidar dos projetos implantados nestas áreas. Devolveram a autoestima aos cidadãos. (...) A taxa de homicídio caiu quase 80% nos últimos 15 anos. A linha de pobreza para o período entre 2002 e 2010 diminuiu quase 40%. È claro que ainda há violência, mas numa escala menor. Eu nunca me senti ameaçado ao caminhar na cidade e nos bairros.

Patricia: Sim, pelo que sabemos o Poder Público se valeu de um momento econômico bom aliado a políticas fiscais que favoreciam o apoio e participação das empresas e apresentou um Plano Diretor [em 2004] coerente e ambicioso, mas exequível e que prometia uma melhoria geral em toda a cidade com ações que garantiam maior segurança e desenvolvimento. O setor privado e a população acreditaram e viram os resultados emergindo com transparência. Hoje há uma grande autoestima nos habitantes da cidade, as pessoas cuidam, mostram, participam a sua cidade, que antes era impossível.

3) Na sua opinião, algumas ideias colocadas em prática lá poderiam funcionar também aqui no Brasil?

Eloy: Perfeitamente, desde que bem planejadas e adaptadas a nossa realidade. O Rio de Janeiro tentou copiar por meio das UPPS (Unidades de Polícia Pacificadora) [algumas dessas ideias], mas creio que faltou mais planejamento integrado com a educação, cultura e lazer, como ocorreu em Medellín. Não basta colocar um contêiner com policiais no meio da favela e achar que isto vai resolver. O problema é mais social, de educação e de se oferecer alternativas a crianças e jovens locais. Se deve ter uma visão interdisciplinar dos problemas.

Patricia: Sim, tanto é assim, que muitas ideias de Medellín foram incorporadas em outros países, como a ideia do Metrocable nas favelas do Rio. Aqui no Brasil, temos o costume de copiar a forma sem o conteúdo (....) . A inserção dessas iniciativas tem que vir acompanhada de uma série constante de ações junto às lideranças locais, educadores e força policial especialmente treinada para ganhar a confiança da população. (...) Medellín está fazendo este milagre após muita observação, aprendizado e inovação autóctone movida pela urgentíssima necessidade de sobreviver como cidade e salvar a sua gente.

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