Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
memória

Cidades dão status de patrimônio a comércio para ‘protegê-lo’ de turistas

Baixa Pombalina, um dos bairros que mais concentram comércios tradicionais recentemente protegidos por Lisboa. | Divulgação/www.visitlisboa.com
Baixa Pombalina, um dos bairros que mais concentram comércios tradicionais recentemente protegidos por Lisboa. (Foto: Divulgação/www.visitlisboa.com)

Iniciado no ano passado, o projeto “Lojas com História”, da Câmara Municipal de Lisboa em parceria com a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em Portugal, acaba de listar 63 estabelecimentos comerciais com valor histórico, de lojas de ginja (bebida típica) e camisaria e até uma casa de velas. Os mais velhos têm mais de 200 anos de existência, e agora poderão ter a ajuda do Município numa eventual ação de despejo ou mesmo para obter até 25 mil euros para revitalizar o imóvel onde estão instalados. Os 19 critérios para a seleção vão da importância histórica desses estabelecimentos até a raridade e/ou tradição dos produtos por eles vendidos. A preocupação aqui é evitar que esses estabelecimentos fechem e levem a uma descaracterização dos bairros históricos , no que muitos estão chamando por lá de “turistificação” de Lisboa. Também em 2015, Barcelona deu início a um projeto semelhante e já selecionou 228 estabelecimentos.

Nos últimos cinco anos, em que o turismo ganhou mais importância para a economia de Lisboa, tem sido comum encontrar nos jornais e websites portugueses notícias sobre o fechamento de estabelecimentos comerciais tradicionalíssimos de bairros históricos da cidade. Mais: há, em paralelo, uma preocupação das pessoas que escolheram essas regiões para morar com a manutenção de um estilo de vida, de uma identidade. Para se ter uma ideia, em 2015, a cidade, que tem pouco mais de 540 mil habitantes, registrou 5,2 milhões de visitantes – 33% a mais que em 2010. Também no ano passado, o turismo rendeu 11,3 milhões de euros à cidade (1,6% do orçamento total de Lisboa para o ano). E esses números tendem a aumentar: em 2016, Lisboa espera arrecadar 12 milhões de euros com o turismo.

Em fevereiro deste ano, moradores da Baixa Pombalina – bairro histórico no coração de Lisboa – relataram ao Diário Económico que temiam que a região ficasse sem qualquer tipo de comércio em pouco tempo. O fenômeno – não estranho a outras cidades europeias que já viveram uma explosão no turismo –, tem a ver com a mudança de uso de muitos dos imóveis históricos dessa região, que passaram de moradias a hotéis (formalmente ou informalmente, com proprietários alugando unidades a turistas pelo Airbnb). Isso também levou a uma redução no fluxo habitual de pessoas nos comércios locais e, consequentemente, ao fechamento de muitos desses estabelecimentos – em alguns casos eles foram substituídos por lojas de presentes, bares “gourmetizados” e grandes grifes de roupa, todos comércios voltados a turistas, não moradores.

É um cenário semelhante ao dos centros de algumas capitais brasileiras, mas causado por razões diferentes. Por aqui, os centros das grandes cidades foram perdendo sua identidade inicial, de local misto de moradia e comércio, por razões como a concentração de investimentos públicos em determinadas áreas e em detrimento de outras, a especulação imobiliária e a insegurança urbana.

Os estabelecimentos escolhidos em Lisboa concentram-se principalmente na Baixa Pombalina e no Chiado, e não são necessariamente um sucesso. Alguns sobrevivem com um baixo fluxo de clientes, mas merecem uma segunda chance por toda a história que carregam. Segundo o jornal Público, eles ganharão o status de patrimônio por dois anos. E se não sofrerem alterações que prejudiquem seu caráter histórico nesse prazo, poderão ter o status renovado. Há, porém, uma controvérsia: a ideia de um fundo anual de 250 mil euros para manter o “Lojas com História” passará por uma consulta pública porque não teve, de pronto, o apoio de todos os membros da Câmara Municipal de Lisboa.

Para os proprietários dos imóveis, que nem sempre são os comerciantes, ser selecionado também pode ter desvantagens. Uma das medidas tomadas dentro do “Lojas com História” é a limitação dos tipos de uso dos imóveis onde esses comércios tradicionais estão instalados. É provável que, em último caso, um café centenário possa até mudar de dono mas o prédio onde ele está instalado terá bastante dificuldade para dar lugar a um consultório médico, por exemplo.

Nesse sentido, ao proporcionar mais proteção a esses estabelecimentos, o projeto acaba também por preservar uma grande parte do charme que tem atraído tantos turistas a Lisboa: em 2014, uma pesquisa do Observatório de Turismo da cidade mostrou que a característica mais admirada pelos visitantes é a autenticidade de Lisboa.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.