É possível chamar esse projeto de Arca de Noé da era do derretimento do gelo dos polos. Está em estudos no Pacífico Sul um plano audacioso para responder às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar com a construção de cidades flutuantes, que o governo da Polinésia Francesa está considerando hospedar em uma lagoa tropical.
O projeto está sendo tocado por uma organização sem fins lucrativos da Califórnia, o Seasteading Institute, que conseguiu levantar cerca de US$ 2,5 milhões de mais de mil doadores interessados. Randolph Hencken, diretor executivo do grupo, diz que o trabalho pode começar na Polinésia Francesa já no próximo ano, dependendo apenas de resultados de alguns estudos de viabilidade ambiental e econômica.
“Temos a visão de que vamos criar uma indústria que fornece ilhas flutuantes para pessoas que estão ameaçadas pelo aumento do nível do mar”, afirma Hencken. Entre os fundadores do grupo está Peter Thiel, investidor bilionário e importante apoiador do presidente Donald Trump, mas que não faz mais doações ao instituto, conta Hencken.
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Hencken diz que a ilha-piloto do projeto das cidades flutuantes deve custar entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões e hospedar algumas dezenas de pessoas, e que os moradores iniciais seriam, muito possivelmente, compradores de renda média do mundo desenvolvido. Ele afirma que o instituto está buscando construir as ilhas no que seria uma versão náutica de uma zona econômica especial e que mostraria inovações nos campos de energia solar, aquicultura sustentável e parques eólicos oceânicos.
Projetos de cidades flutuantes têm obstáculos e críticas
Os líderes do projeto enfrentam muitos obstáculos, como construir sistemas de gerenciamento de resíduos para as ilhas e convencer os investidores a comprar propriedades em um ambiente que nunca foi testado. Joe Quirk, porta-voz do Seasteading Institute, disse em um vídeo de 2014 que o custo de uma casa nas ilhas artificiais seria, a princípio, compatível com imóveis em Londres ou Nova York.
Mas o projeto também parece mostrar como a aceleração das mudanças climáticas e do aumento do nível do mar tem levado empresários de tecnologia a encontrar soluções inovadoras para os problemas relacionados ao clima, como o aumento do nível do mar.
“Os oceanos são a parte mais ignorada do planeta, então estou animado com as possibilidades que vão surgir quando você tem algumas das almas mais aventureiras do Vale do Silício focando no uso sustentável de nossas áreas costeiras e marinhas”, disse Lelei LeLaulu, empreendedor imobiliário de Samoa que se especializou nas ilhas do Pacífico e aconselha a International Finance Corp. sobre negócios sustentáveis, em um e-mail vindo da Polinésia Francesa.
O projeto das cidades flutuantes, no entanto, sofre críticas na Polinésia Francesa e em outros lugares. Alexandre Le Quéré, apresentador de rádio da estação Polynésie 1ère, disse recentemente que o projeto do Seasteading Institute o fazia recordar de um plano para construir ilhas artificiais próximas a Bali, na Indonésia, que atraiu críticas pesadas em meio a preocupações sobre os efeitos ambientais.
“Pode-se pensar que os engenheiros por trás do Seasteading Institute têm respostas para essas questões ecológicas. No entanto, isso não acaba com o ceticismo a respeito desse projeto meio maluco”, disse Le Quéré.
Hencken afirma que espera que o projeto eventualmente inclua dezenas de ilhas artificiais e que projetos parecidos podem ser construídos em outras nações de atóis ou áreas costeiras ameaçadas pelo aumento do nível do mar. Ele explica que o custo das moradias na ilha poderia diminuir à medida que ficasse mais barato produzir as plataformas. “Jamais pensei que esse fosse um projeto apenas para os ricos”, explica, afirmando que sua formação foi com ativismo de justiça social.
Mas especialistas familiarizados com as mudanças climáticas no Pacífico Sul dizem que duvidam que o projeto das cidades flutuantes seja viável em larga escala em uma região com alguns dos países mais pobres do mundo. Eles também se perguntam se o dinheiro não seria melhor gasto em educação ou saúde.
“Eu não o descartaria totalmente; apenas abordo esse tipo de coisa com um ceticismo saudável”, explica Matthew Dornan, vice-diretor do Centro de Políticas de Desenvolvimento da Universidade Nacional Australiana, de Camberra. “Há uma tendência a se procurar soluções muito focadas em tecnologia para os desafios do Pacífico sem qualquer contribuição real dos ilhéus da região”, diz ele.
Simon Donner, professor de Geografia da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver, que estuda os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar, nas ilhas do Pacífico, diz que o projeto da Polinésia Francesa parece intrigante e que não tem razões para duvidar de que os apoiadores são bem-intencionados.
Mas diz que o projeto reflete uma realidade cruel: o mundo desenvolvido é ao mesmo tempo responsável pelas mudanças climáticas e mais capaz de lidar com elas. O projeto da Polinésia Francesa seria efetivamente um “navio de cruzeiro”, diz Donner. “Enquanto as verdadeiras ilhas do Pacífico continuarão sofrendo os impactos das mudanças climáticas.”
Hencken contesta essa avaliação dizendo que não é justo comparar sua iniciativa com projetos tradicionais de ajuda. “Não estamos pegando dinheiro da Polinésia Francesa. Estamos investindo nosso próprio dinheiro na esperança de trazer benefícios diretos e indiretos para o nosso anfitrião.”
O Ministério das Relações Exteriores da França não respondeu a um pedido por e-mail de comentários sobre os planos do Seasteading Institute.
Aumento do nível do mar faz interesse por projetos de cidades flutuantes crescer
Modelos climáticos recentes preveem que os oceanos do mundo podem subir de 1,5 a 1,8 metro até 2100, cerca de duas vezes o aumento relatado como o pior cenário plausível em um painel da ONU em 2013.
As nações formadas por atóis do Pacífico são vistas como excepcionalmente vulneráveis ao aumento do nível do mar porque frequentemente são baixas e extremamente estreitas. Uma delas, Kiribati, se tornou a campeã não oficial de um movimento para chamar a atenção global para a ameaça.
Em uma entrevista para o New York Times no ano passado, o presidente de Kiribati, Anote Tong, disse que havia contratado especialistas do governo dos Emirados Árabes Unidos para estudar a viabilidade de elevar artificialmente as ilhas de Kiribati como uma estratégia de adaptação ao clima. Mas Tong não quis fornecer detalhes e as tentativas posteriores de conseguir mais informações com autoridades de Kiribati e dos Emirados Árabes não obtiveram sucesso.
Koen Olthuis, arquiteto da Holanda cujos projetos são todos na água, diz que o interesse nas construções anfíbias entre os construtores e os municípios cresceu em todo o mundo nos últimos quatro anos e que cidades flutuantes podem potencialmente ter uma grande variedade de usos sociais benéficos. Um dos primeiros exemplo, conta, é uma escola flutuante que ele desenhou recentemente para Bangladesh, onde o aumento do nível do mar ameaça comunidades costeiras em áreas baixas.
Olthuis diz que os desafios técnicos da construção de ilhas artificiais podem ser resolvidos e que espera que o projeto da Polinésia Francesa seja bem sucedido. Mas que ainda existe uma questão sobre qual o objetivo final e a escala que esses projetos devem ter.
“O que queremos salvar? Quanto dinheiro queremos gastar com isso e o que isso traz para aquelas pessoas? Com bilhões, você pode salvar 300 mil pessoas. Mas também pode levá-las embora, colocá-las em outros países e usar esses prédios para ajudar favelados em todo o mundo.”
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