Curitiba, assim como muitas cidades brasileiras, não sabe quantos cães e gatos têm nas ruas. O que existe são estimativas com base em alguns estudos localizados conduzidos pelas universidades e alguns números estaduais de levantamentos como a Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE.
Segundo os estudos acadêmicos, a cidade teria cerca de um cão para cada quatro habitantes, cerca de 450 mil no total. Os não domiciliados (que englobam tanto os em situação de rua quanto aqueles que têm casa, mas passam a maior parte do tempo fora) responderiam por 5% desse total, ou seja, um a cada 22 cães.
A população de gatos nas ruas de Curitiba e região seria bem menor, já que a proporção é de sete cães para cada gato.
Mas se não há um censo, também não se sabe qual o real impacto da política de castração – que embora tenha ganhado corpo na última década em Curitiba e tenha atendido 13 mil animais está longe de ser a prioridade quando o assunto é proteção animal.
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“Enquanto cada um não fizer a sua parte, não vai ter jeito”, diz presidente da Spac
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Em conversa com a Gazeta do Povo, especialistas e representantes de entidades que lidam diariamente com a questão dizem que o foco da área nos próximos anos deve ser o investimento em educação para a guarda responsável e também a articulação de parcerias para a formação de uma rede que dê conta de dar o atendimento básico aos pets. Tudo com uma postura ativa do Executivo e do Legislativo municipais concentrada na população mais carente da cidade.
Propostas como a criação de um hospital veterinário ou mesmo de uma farmácia popular veterinária são vistas por essas pessoas como utópicas.
“Quem vai usufruir desse hospital é, provavelmente, quem já tem condições de cuidar do seu animal, que tem um carro para leva-lo até lá. (...) Algumas ONGs defendem a castração gratuita e universal. Mas se a pessoa tem condição, faz parte [da guarda responsável] pagar pela castração, mesmo que em valor mais acessível”, diz a presidente da Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba (Spac), Soraya Simon. Ela também lembra que enquanto cada cidadão não fizer a sua parte não há prefeitura ou ONG que resolva o problema dos animais de rua.
O médico veterinário, ex-diretor de pesquisa e conservação da fauna da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) de Curitiba e pesquisador da área na UFPR Alexander Biondo usa a lógica da saúde humana para lembrar qual deveria ser o caminho para a saúde animal.
“O modelo de saúde em hospital é um modelo falido, dos anos 1980 e 1990. O SUS, com todos os seus problemas, é um modelo bom porque propõe a prevenção e não o assistencialismo. Se a saúde humana é baseada em baixa, média, alta complexidades, em que a baixa complexidade não é atendida num hospital, a mesma lógica funciona para a saúde animal. Um estudo conduzido pela professora Rita de Cássia [ Maria Garcia, também da UFPR] já mostrou que a maioria dos cães não sobrevive aos primeiros três, quatro anos de vida por falta de cuidados básico de saúde, como vacina, e de guarda responsável, como no caso daqueles que morrem atropelados. Para mim está claro que o problema está aí”.
Desde 2011, como uma portaria do Ministério da Saúde autorizou a inclusão do médico veterinário nas equipes de saúde da família e também quanto o MEC passou a pagar a chamada Residência Multiprofissional em Saúde, Biondo defende, ao lado de outros especialistas, que os médicos veterinários sejam, efetivamente, incluídos nessa política de saúde única (humana, ambiental e animal). “Não entendo porque os médicos veterinários não possam se formar e ganhar experiência com a mesma lógica dos médicos: trabalhando e ganhando pelo SUS para atender a população”.
Segundo informações divulgadas pela prefeitura de Curitiba, as equipes da Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ), da Secretaria Municipal de Saúde, fazem trabalhos de orientação e palestras em conjunto com os 10 distritos sanitários da cidade, mas entidades e especialistas pedem é algo mais perene, como a criação de um espécie de “SUS para os animais”, guardadas as devidas proporções de investimento.
Recado aos candidatos
Além da orientação dada pelos especialistas da UFPR, que convidaram os candidatos às Eleições 2016 a discutir a proteção animal no último sábado (17), o Fórum de Defesa dos Direitos dos Animais de Curitiba também quer saber o posicionamento dos candidatos sobre o tema. Esta marcada para esta quinta-feira (22) um encontro para isso. Mais informações no blog e na página do Facebook do FDDA .
Burocracia
Biondo ressalta que sabe que há muito a ser feito numa cidade e que é impossível ter recurso para tudo. “Mas porque não criar uma rede com as universidades?”, questiona ele.
O atual diretor de pesquisa e conservação da fauna da SMMA, Eros Luiz de Souza, também acredita que a parceria com as instituições de ensino superior da capital precisa ser formalizada – com convênios e projetos específicos – e ampliada. “Não é uma questão de recursos ou de profissionais, mas de burocracia. As universidades querem colaborar. Mas a procuradoria do município impõe uma série de exigências e é óbvio que uma instituição como uma universidade pode não ter todas as certidões necessárias naquele momento. Nem mesmo os municípios terão. É preciso olhar para isso com mais atenção [nos próximos anos]”, afirma Souza.
É esperado que o Centro de Referência de Atendimento a Animais em Risco (Crar) – que está em construção na Unidade de Vigilância em Zoonoses (UVZ) e deve ficar pronto até o fim deste ano – amplie o atendimento da fauna silvestre e também dos animais de rua em situação de risco de Curitiba e região. “Mas sem [investimento] em educação, eu veja esse problema [dos animais silvestres e dos cães e gatos de rua] como um problema infinito”, afirma Souza.
Futuro das Cidades e Eleições 2016
Detentora de vários prêmios e sempre presente nas primeiras posições entre as cidades do Brasil e da América Latina não é fácil encontrar áreas em que Curitiba não tenha evoluído ou mesmo não seja referência. Nessas Eleições 2016, Futuro das Cidades se propôs a encontrar essas áreas. Esta é a sexta reportagem nesse sentido. A primeira tratou sobre o que Curitiba tem a aprender sobre rios mais limpos. A segunda, sobre a falta de mapeamentos dos imóveis desocupados. Ainda falamos sobre o porquê de Curitiba ainda não ter um bilhete único no transporte e sobre as atribuições dos municípios em segurança pública. Escrevemos também sobre como as políticas de moradia não podem se resumir a construção de casas .
Na Europa
Nos países membros do bloco é necessário que os pets tenham número de identificação, registrado em um chip implantado no animal. A exigência só é dispensada no caso de animais registrados antes de 2011, mas que possuem tatuagem com o número de identificação. Além disso, em várias cidades europeias, é possível levar os pets no transporte público (ônibus, metrô e trem), o que é encarado pelos especialistas como algo essencial para as ações de bem-estar do animal, como leva-lo ao veterinário ou para passear e socializar em um lugar novo. Em alguns países, as regras são ainda mais rígidas quanto o pet é um cão. Nas cidades alemãs, especificamente, algumas raças precisam obrigatoriamente ser adestradas e, dependendo do estado do qual o município faz parte, é preciso também pagar um imposto, que varia de 60 a 120 euros por cachorro.
Nos Estados Unidos
O país ficou (mal) conhecido durante muito tempo pela prática da eutanásia como ferramenta de controle populacional dos animais, mas, aos poucos, a realidade vem mudando. Cidades da Costa Oeste, são exemplos disso. Segundo professor Alexander Biondo da UFPR, que visitou recentemente o país, São Francisco, São Diego e Portland são cidades que conseguiram acabar com os cães abandonados. “Nessas cidades tem mais gente querendo adotar do que animais à espera de um lar. E uma das grandes sacadas foi econômica: eles criaram uma campanha que estimulou as pessoas a tratarem o seu cão como um ‘cão de raça’, fomentando assim a economia em torno do setor pet e também a guarda responsável [e ao mesmo tempo desestimulando o comércio irresponsável de animais]”. Biondo, que visitou os abrigos nessas três cidades, também salienta que a maior parte dos recursos saem do bolso dos cidadãos e das entidades. “No caso de um hospital veterinário de São Francisco , por exemplo, uma obra de US$ 30 milhões, apenas 5% da verba veio do poder público.”
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