No quesito velocidade, a bicicleta foi a grande campeã do 10.º Desafio Intermodal, realizado nesta sexta-feira (23) em Curitiba. O ciclista levou menos de 18 minutos para fazer um trecho de 10 quilômetros rumo ao Centro, em plena hora do rush. O carro levou quase o triplo. Mas o desafio não é um campeonato. Por um simples motivo: o trânsito não é uma competição. A ideia do evento é analisar a eficiência de diferentes modais, com os critérios tempo, custo e emissões de poluentes.
O desafio tem algumas regras. Todos saem de um mesmo ponto (o campus Centro Politécnico da UFPR), com um mesmo destino – Praça Santos Andrade – e precisam obedecer as leis do trânsito adequadas ao seu modal. Significa que corredores podem ir na calçada e na contramão, por exemplo. Bicicletas, não. Também é obrigatório parar em um ponto intermediário – Escritório Verde da UTFR, na Avenida Silva Jardim.
Na chegada ao ponto intermediário, os desafiantes precisavam assinar uma lista de presença para seguir viagem. O que causou certa confusão na hora de estacionar. Pelo menos dois motociclistas “embicaram” a moto no estacionamento do prédio, mas foram obrigados a encontrar uma vaga na rua, em respeito às leis de trânsito. O que nem sempre é tarefa fácil, mas a ideia era simular o trânsito da “vida real”, por isso a regra.
Para este ano, a grande novidade foram os ciclistas iniciantes. Débora Jordão e Alexandre Oliveira aceitaram o convite de Gheysa Prado, que seguiu como “bike anjo” da dupla. O trio planejou a rota por ciclovias e ciclofaixas e saiu tranquilo do Centro Politécnico, apesar da pouca experiência em utilizar a bicicleta como meio de transporte.
Do trajeto, destacaram a vista “muito bonita” e a qualidade da pista, na chamada Avenida das Torres. Mas também notaram que o trecho é escuro e mal sinalizado para ciclistas, o que pode causar certa confusão. Na chegada ao Escritório Verde, optaram por descer das bicicletas e empurrar por uma quadra, pela calçada. “Se não teríamos que dar a volta em pelo menos três quadras, que são bem movimentadas. E não podemos pedalar na calçada, porque desrespeita as leis de trânsito”, contou Gheysa.
Primeiro a chegar, o professor universitário Nestor Saavedra logo avisa: “não é uma competição”. Ele levou 13 minutos entre o Centro Politécnico e a UTFPR, onde trabalha, e completou o percurso em 17 minutos e 51 segundos. No primeiro trecho, ele saiu pelos fundos do Politécnico e seguiu pela Torres e Avenida Marechal Floriano. No Centro, retornou para a Marechal e utilizou a Travessa da Lapa, rua utilizada pelo ônibus expresso (o “vermelhão”), mas que neste trecho é compartilhada com a bicicleta.
Ciclista diário, Saavedra destaca os bons efeitos do veículo em sua saúde. Não só no aspecto de exercício físico. “Quando tenho que usar o carro dois, três dias seguidos, você vê que já começa a te fazer mal esta coisa de ficar parado no trânsito, esta demora. Você desacostuma [quando anda de bicicleta]”.
A iniciativa é promovida pelo Ciclovida, da UFPR, desde 2007. Neste meio tempo, é possível perceber algumas mudanças, conta José Carlos Belotto, coordenador do projeto. “Durante muito tempo vinha piorando [o trânsito]. E nos últimos anos houve uma melhora, principalmente na estrutura cicloviária. Também o anel central ter a área calma dá fluidez para o trânsito, porque você consegue andar mais perto do carro da frente, acaba com o efeito sanfona”.
Para este ano, o evento contou com a parceria dos Institutos Lactec e do sistema zTrax, que possibilitou um GPS em tempo real. Além disso, houve apoio da prefeitura de Curitiba, que desde o ano passado já realizou o desafio em três escolas da rede municipal, em turmas do 9.º ano. Uma quarta escola deve receber o evento ainda este ano.
Por último
Após uma hora e quinze de trajeto, o grupo de quatro pedestres mulheres foi o último a chegar à Praça Santos Andrade. A festa que os desafiantes fizeram ao avistá-la demonstra o clima do desafio: metade ludico, outro tanto pesquisa acadêmica (os dados numéricos e impressões subjetivas vão ser analisados pelo Ciclovida).
O pedestre mais rápido fez o trecho em 54 minutos. O transporte público foi modal que levou mais tempo, com uma 1h3min. Um minuto a menos do que o ônibus levou no ano anterior. O grupo pegou o Inter 2 (ligeirinho) do Centro Politécnico até o Terminal Capão da Imbuia, de onde seguiu com o biarticulado Centenário/Campo Comprido até a UTFPR. De lá, seguiram com a linha Santa Cândida/Capão Raso até a praça.
A professora Cristina Araújo Lima estava no grupo. Ela própria usa o ônibus “amarelinho” para ir do Centro, onde mora, ao Politécnico, onde trabalha, em seu dia a dia. Mas não todos os dias. Como dá aulas também no Juvevê - e muitas vezes tem outras atividades ao longo do dia - tem dias que é impossível fazer todos os trechos de ônibus e chegar a tempo em seus compromissos. Nestes casos ela opta por ir de carro.
Mobilidade reduzida
Pelo segundo ano seguido, a Associação do Grupo de Apoio à Síndrome Pós-Polio (Agaspp) participou do desafio, representando as pessoas com mobilidade reduzida. Ano passado, os desafiantes do grupo foram de ônibus. Uma das escolhidas para ir neste ano, Maria Madalena fez questão de ir com seu carro adaptado. Há nove anos ela não entra em um coletivo, desde que teve a porta fechada no seu braço, o que acabou obrigando-a a se aposentar do emprego de auxiliar administrativo. Hoje sente dor no braço direito, do acidente, e no esquerdo, que acaba usando para todas as atividades cotidianas.
No Desafio Intermodal, a parte mais difícil foi estacionar na UTFPR. “Tivemos que rodar três vezes na quadra para achar uma vaga. Achamos uma normal e tivemos que andar naquelas pedrinhas, que machucam bastante. Aqui [na praça] pelo menos tem a vaga prioritária”. Seu colega, Dercy Figueiredo, conta que a falta de acessibilidade é generalizada, na cidade. E que pouco ou nada mudou desde a aprovação, no ano passado, do Estatuto da Pessoa com Deficiência. A lei prevê uma série de regras para promover a acessibilidade.