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Jovens parisienses de classe média aproveitam um festival de música chamado Macki às margens do canal Ourcq, na periferia da capital francesa. Há algum tempo, a cidade vem vendo a diversão se mudar para os subúrbios. | Dmitry Kostyukov/NYT
Jovens parisienses de classe média aproveitam um festival de música chamado Macki às margens do canal Ourcq, na periferia da capital francesa. Há algum tempo, a cidade vem vendo a diversão se mudar para os subúrbios.| Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Em uma sala de cinema escura improvisada dentro de um antigo estúdio de cinema, dezenas de pessoas com vinte e poucos anos bebiam cerveja em copos plásticos enquanto assistiam a um filme sobre sua paixão em comum: o surgimento dos bailes suburbanos. Antes mesmo de o projetor parar e a trilha sonora do filme chegar ao fim, o baixo de uma poderosa música techno atraiu a plateia para uma grande pista de dança, onde a festa se completou, no Espace Albatros, centro de artes em Montreuil, subúrbio a leste de Paris.

Embora a maior parte das cidades europeias tenha um cenário agitado de festas urbanas – Friedrichshain-Kreuzberg em Berlim e Leidseplein em Amsterdã –, Paris viu uma bela porção de a sua vida noturna levantar acampamento para subúrbios social e historicamente afastados, como Montreuil. Ali, uma nova geração de baladeiros se instalou em comunidades locais, criando uma alternativa mais animada e barata do que as principais boates urbanas.

“Eles estavam aborrecidos com as festas que frequentavam em Paris”, diz Leny Decret, 26 anos, gerente júnior de uma agência de publicidade digital. Ele é um dos fundadores do Tangible Utopia, coletivo musical que produziu o documentário exibido no Espace Albatros. Os pais de Decret foram assistir ao documentário e lhe disseram que o fenômeno tinha um quê hippie. “Talvez seja essa coisa de ficar juntos de verdade, dividindo um momento”, ele declara.

A mudança do mundo dos bailes da cidade para a periferia começou por volta de 2009, quando uma manchete do jornal francês Le Monde chamou Paris de a “capital europeia do tédio”. Numa tentativa de reviver o charme noturno da cidade, Eric Labbé, dono de uma loja de discos que virou divulgador de bailes, abriu uma petição on-line pedindo às autoridades municipais o afrouxamento das regras severas sobre ruído e a melhoria do transporte público após a meia-noite.

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Assim, os parisienses jovens, principalmente de classe média, se uniram para criar coletivos informais de músicos e outras formas artísticas para se apresentar regularmente em locais nos subúrbios, com histórico de operários e imigrantes. “Existe um lado aventuroso de ir além da periférica para festejar”, diz Labbé, responsável pelas relações públicas da boate Zig Zag, no 8.º Arrondissement de Paris, referindo-se ao anel viário que separa a capital francesa de seus subúrbios.

Os organizadores desses festivais suburbanos de música dance criaram um ambiente mais aberto e de espírito livre do que o mundo das boates exclusivas – e caras – de Paris. “É diferente. As pessoas não fazem julgamento aqui”, conta Armand Poulhen, estudante de pós-graduação de 24 anos, durante uma festa durante o dia em Montreuil.

Os ritmos contagiantes, luzes piscantes e a quantidade de balões contribuem para emprestar um ar de festa comunitária. Os bailes costumam ser realizados nos finais de semana, e muitos dos eventos durante os meses de primavera e verão acontecem ao ar livre e de dia. Geralmente, a entrada custa menos do que os 20 euros que as boates de Paris cobram e algumas festas são de graça.

Os eventos nos arredores de Paris atraem jovens urbanos a bairros que eles normalmente não visitariam e, segundo alguns baladeiros, a sensação de aventura faz parte da atração. No Espace Albatros, o centro de artes em Montreuil, Nicolas Boivin, 24 anos, que trabalha com publicidade, diz que a curiosidade a respeito de lugares fora da cidade o fez procurar festas na periferia, longe do “padrão” parisiense.

Os bailes surgem como bolhas iridescentes de som e energia que brilham com força em ruas comuns de bairros negligenciados nos arredores de Paris. Um centro de artes e clube noturno ocasional, o 6B, em um antigo prédio industrial em Saint Denis, norte de Paris, atrai fãs abastados de música eletrônica a um bairro onde o desemprego é de quase 20 por cento, o dobro da média nacional.

“Sair do 6B é como tomar uma bofetada na cara”, diz Benedetta Bertella, 31 anos, que atua como DJ em bailes dos subúrbios com seu marido. Ela descreve acampamentos de sem-teto do lado de fora de algumas das boates onde toca. “Você pensa, caramba, nós estamos festejando aqui.”

Algumas das pessoas que moram nas comunidades que abrigam esses bailes encaram os baladeiros parisienses como invasores. Várias queixas contra o barulho foram feitas em 2015 às autoridades locais, e alguns moradores de L’Ile-St.-Denis, do outro lado do Sena em frente ao 6B, registraram uma reclamação on-line contra o prefeito e o dono do centro de artes.

Em um blog dos residentes, um vizinho identificado como Eric reclamava dos “baladeiros parisienses que vem estragar nossas noites porque as pessoas de outros lugares não querem suas festas por perto”. Já outros, como Mady Senga-Remoué, 35 anos, que mora perto do 6B, afirma que as mudanças foram em grande medida vistas como tendo uma influência positiva no bairro. Ela enfatiza que o espaço funciona como centro comunitário e incentiva atividades. “É como uma colmeia”, declara Mady, acrescentando que ela e alguns vizinhos costumam participar das festas.

Alguns dos bairros que abrigam as festas passaram por mudanças. Nas últimas décadas, parisienses que fogem dos aluguéis caros mudaram para a periferia, resultando em galerias vanguardistas, microcervejarias e centros de artes sendo abertos longe das avenidas de Haussmann.

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Consequências

Não está claro o quanto isso afetou quem mora nos subúrbios, embora sociólogos tenham assinalado uma elitização crescente em bairros específicos, como em Montreuil. Em 2013, o jornal francês Libération destacou preocupações dos moradores com o aumento do preço da moradia.

Agora as festas podem ser acrescentadas à lista. Embora alguns moradores reclamem, as autoridades locais enxergam oportunidades para dar uma cara mais atraente às suas cidades e ter uma programação cultural diversificada. Uma série de eventos de fim de semana em Bobigny, noroeste de Paris, ocorreu em um terreno da prefeitura.

Em Nanterre, La Ferme du Bonheur, barracão de madeira que abrigou festas organizadas pelo coletivo La Mamie’s, aparece no site da prefeitura, embora tenha sido construído ilegalmente em área pública.

A prefeitura de Paris, que tenta coordenar ações com os municípios vizinhos, tenta incentivar o crescimento da região como destino de música techno. No centro de Paris, os parques abrem a noite inteira durante o verão. Um Conselho da Noite, onde donos de bares e boates se reúnem com as autoridades duas vezes por ano, foi criado na prefeitura.

Frédéric Hocquard, “conselheiro da vida noturna”, acha que uma parte de sua função é estimular a cidade a relaxar e a se divertir um pouco. “A prefeitura de Paris pode não ter desenvolvido nem promovido o suficiente sua vida noturna”, declara.

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