O Terminal do Boqueirão, inaugurado ainda no ano de 1980, em Curitiba, tem um estacionamento gratuito para a população. A ideia da prefeitura é ampliar esses espaços em número e tamanho. Como? Ainda é algo em discussão.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Encarar o carro como algo necessário apenas para uma parte do caminho ou para os passeios de fim de semana. Talvez esteja aí a mudança de comportamento que se espera de quem mora nos grandes centros urbanos. A instalação dos ditos estacionamentos intermodais figura entre as principais estratégias de mobilidade nesse sentido. Mas, segundo os especialistas, é preciso que a localização desses espaços seja bem pensada e que haja incentivos para a sua utilização, como um preço mais barato que a média de mercado.

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Em São Paulo, a nova Lei de Zoneamento e Uso e Ocupação do Solo, sancionada em março último, prevê a construção de 35 edifícios-garagem em bairros do entorno do centro expandido da capital paulista: Santana, Barra Funda, Lapa, Butantã e Ipiranga. Outra lei aprovada ainda em 2015 prevê que isso seja feito por meio de concessão de terrenos públicos para a iniciativa privada por até 30 anos.

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O objetivo é que, construídos próximos de estações de trem, metrô e/ou terminais de ônibus, esses edifícios ajudem a estimular os paulistanos a não fazer todo o trajeto de carro, deixando-o nessas garagens e circulando na parte central apenas com os meios de transporte coletivos.

Em Curitiba, alguns dos terminais de ônibus, principalmente os situados ao lado das Ruas da Cidadania – espaços de descentralização dos serviços públicos da capital paranaense – possuem estacionamentos gratuitos. É o caso do Terminal do Boqueirão, criado em 1980. Segundo a Urbs, empresa que administra os terminais e o sistema de transporte em Curitiba, há planos para se ampliar o número e o tamanho desses estacionamentos. Como? Ainda é algo em discussão.

Por meio de duas emendas da Câmara de Vereadores, o novo Plano Diretor de Curitiba, em vigor desde o fim de 2015, prevê a construção de estacionamento intermodais perto de terminais de ônibus. Mas os detalhes da ideia ainda precisam ser definidos: se a prefeitura cederia terrenos públicos ao setor privado e o empresário ofereceria um preço menor em razão disso; se o próprio poder público administraria esses locais; ou se haveria uma integração do estacionamento com o sistema como um todo, permitindo que o usuário pagasse o estacionamento com o próprio cartão-transporte, mediante a obrigação de pegar o ônibus.

Sem demanda e fluxo bem estudados, ideia não funciona

No ano passado, em meio à aprovação da lei que permitiu a concessão de terrenos públicos para a construção de estacionamentos intermodais em São Paulo, a urbanista Raquel Rolnik apontou, em um artigo, algumas inconsistências na proposta dos edifícios-garagem. Em primeiro lugar, ela lembra que sem uma definição exata da localização desses estacionamentos na cidade, articulada com a dinâmica de circulação e transporte, a motivação inicial (e principal) de represar os carros antes que eles cheguem em regiões centrais simplesmente não ocorrerá. Seria preciso saber exatamente por onde as pessoas passam, que caminhos elas fazem para se chegar a uma localização ideal para esses estacionamentos. Não necessariamente será ao lado do terminal de ônibus ou metrô.

Terrenos públicos?

Em segundo lugar, Raquel questiona o fato de a ideia ter tomado corpo em São Paulo como uma concessão de terreno público para a exploração da iniciativa privada. “Ora, frequentemente ouvimos as queixas da prefeitura quanto a inexistência de terrenos públicos para a construção de creches ou moradias, além de outras demandas dos cidadãos como parques, praças e outros equipamentos. Então, não temos áreas de propriedade da prefeitura para implementar projetos – para os quais inclusive existem os recursos e obtenção de terrenos é o que tem emperrado sua realização – e vamos usar os terrenos que temos para fazer edifícios-garagem? Isto tem algum sentido?”, disse a urbanista em seu artigo.

A crítica da urbanista se encaixaria também em Curitiba, onde a Cohab admite que não possui mais o banco de terrenos de antigamente e onde a fila por vagas em creche está em cerca de 10 mil crianças de 0 a 5 anos, de acordo com o último levantamento divulgado pelo Ministério Público do Paraná, em 2014.

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Iniciativa semelhante não foi para frente na capital paulista

Uma iniciativa semelhante aos edifícios-garagem ou estacionamentos intermodais já funciona em alguns locais de São Paulo, sob a responsabilidade da operação do metrô, ligado ao governo estadual paulista. O E-Fácil, como é chamado por lá, permite que o usuário deixe o carro no local por até 12 horas ao custo de uma taxa que varia de R$ 8,42 a R$ 10,05 mais o valor de duas passagens (ida e volta), para utilizar o metrô, o trem ou o sistema de ônibus. São três estacionamentos E-Fácil –Estação Santos-Imigrantes, Estação Corinthians-Itaquera e Guaianazes CPTM –, com total de mais de 800 vagas.

A ideia começou em 2008, com o lançamento de seis áreas nos dois anos seguintes, mas de lá para cá sofreu mudanças. Ainda em 2012, em reportagens veiculadas pela imprensa local, o Metrô de São Paulo informou que seguraria a expansão das áreas de estacionamento porque, devido à superlotação de alguns braços do sistema, precisava focar na expansão do modal como prioridade.

Outra possibilidade levantada para a baixa adesão aos estacionamentos é a de que como alguns foram implantados em áreas centrais da capital paulista eles não teriam o movimento esperado e não serviriam como incentivo para o uso do transporte público –seriam apenas uma opção mais barata para se deixar o carro. Isso é o que teria levado o Metrô de São Paulo a conceder duas dessas áreas à iniciativa privada para a exploração de estacionamentos a preços populares, não mais integrando o sistema de bilhetagem.