Fotos de pretendentes vão surgindo na tela do celular, e você diz se tem ou não interesse. É assim que funciona o aplicativo Tinder; e é dessa forma que a cidade de Santa Monica, nos EUA, resolveu descobrir o que os seus habitantes pensam. Parece simplista, mas foi o jeito encontrado para consultar a população sobre temas pertinentes (sem apelar para um calhamaço de leis municipais). A tecnologia não salva a lavoura. Mas pode ser uma aliada do velho sonho de tornar os governos mais democráticos e abertos à opinião de seus cidadãos. Tem até “Pokemon Go” do urbanismo na lista de possibilidades.
A ideia não é exatamente nova. No Reino Unido, o rei britânico Charles II foi quem primeiro publicou avisos públicos, em pleno século 17. Até hoje o governo sai colando papéis (que ninguém lê) nos postes de uma vizinhança, quando ela pode ser alvo de alguma intervenção relevante. Sabendo das falhas desse mecanismo, o governo investiu 950 mil libras (cerca de R$ 3,6 milhões), em 2015, em 24 projetos para desenvolver uma “consulta pública do século 21”.
O “tinder” de Santa Monica – batizado CitySwipe, algo como “deslizar a cidade” – não é um aplicativo para celular, mas uma página na internet. A pessoa informa se é moradora da cidade, do entorno ou turista. Sempre com perguntas de “sim” e “não”. Em seguida vem uma pesquisa de mobilidade urbana: anda a pé? De transporte público? Carro? Táxi ou Uber? E aí questões sobre preferências urbanísticas. A pessoa responde se um ou outro prédio é condizente com a paisagem local, se gostaria de ver bares com mesas na calçada, e por aí vai.
Tentativas de estabelecer um diálogo real entre cidadãos e cidade
No Brasil, a cidade de São Paulo lançou um app para tentar aproximar a população das discussões sobre a lei de zoneamento. O momento não poderia ser mais propício. Ao mesmo tempo em que é extremamente técnico, o zoneamento é o tipo de regra que interfere diretamente na vida das pessoas, ditando desde onde elas podem morar até como se transportarem. Mas o app paulistano não é tão simplificado quanto o CitySwipe. No “Olhares Urbanos” a pessoa tira uma foto e cadastra os parâmetros que se encaixam nela, como “fachada ativa”, “uso misto” e “fruição pública”. Novamente, depende de um certo conhecimento especializado por parte do usuário.
Também o zoneamento foi alvo de mapa interativo do governo de Manchester, na Inglaterra. Dois mapas, na verdade. Um deles agrega todas as informações de infraestrutura da cidade, do transporte público à abrangência do sistema de gás. Outro mostra o que está sendo pensado para a área no zoneamento. De forma que a pessoa pode olhar para a sua vizinhança e ver como ela deve ficar daqui a cinco, dez e até 20 anos.
Com ou sem aplicativos, a questão é estabelecer um diálogo real. “Nesses assuntos mais técnicos tem que haver uma tradução para o leigo”, defende Daniely Votto, gerente de Governança Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, que atua junto a prefeituras em projetos de participação popular. “Você não pode chamar uma reunião e pura e simplesmente entregar um livreto falando de zoneamento urbano. Eles vão olhar e falar ‘isso não é para mim’”.
A tentativa de informar a população de forma realista chegou a extremos, na Suiça. Lá, um grande empreendimento precisa construir uma espécie de maquete em tamanho real. A obra fica lá por um mês, com postes e cabos de aço, para a população observar e avaliar.
É o que faz o aplicativo UrbanPlanar, só que no mundo digital. É como um “Pokemon Go” do urbanismo, com realidade aumentada. Pela câmera do celular, é possível enxergar o entorno, e o aplicativo mostra na tela como ficaria a paisagem com a intervenção pretendida. A ideia pode ser utilizada por governos, mas por enquanto o foco do aplicativo é no segmento imobiliário.
As pessoas não são burras. Basta método e interesse para ouvi-las
Uma crença de muitos administradores públicos é a de que abrir projetos para debate com o público é improfícuo – as pessoas não vão entender nada mesmo. Só que as pessoas não são burras. Daniely Votto, do WRI Brasil, defende isso, e fala com conhecimento de causa: “se você traduz para uma linguagem leiga e tem tempo para ouvir, as pessoas podem trazer coisas bem interessantes”.
Não existe fórmula pronta, mas há alguns critérios que podem levar ao caminho certo nesse sentido. Primeiro, é preciso ter método, planejamento e ver o debate público como prioridade. Além disso, o gestor precisa de sensibilidade para entender que sempre há um momento catártico, em que as pessoas falam de assuntos sem relação nenhuma com a pauta. “Isso devia bater no tomador de decisão como um sintoma: ‘opa, se aqui é para vacina e o cara vem falar de buraco na rua, é porque tem um problema’”, analisa Daniely.
São regras que valem tanto para os canais digitais quanto para os “analógicos”, tradicionais, como reuniões de bairro. E é fundamental que exista uma coexistência entre ambos, já que buscam um público diferente, explica Daniely. Um aplicativo pode ter sucesso em integrar jovens de classe média de 25 anos a 35 anos, por exemplo. Mesmo uma rede social pode servir como canal de diálogo, até com cidadãos mais novos. Ao mesmo tempo, pessoas de menor renda costumam comparecer mais em peso em espaços presenciais.
Além disso, diferentes públicos trazem diferentes olhares sobre a cidade. “E isso ajuda muito o tomador de decisão a ter uma visão mais completa. [Ele] vai ouvir alguém que diz ‘eu quero que nossa cidade seja um ecossistema de inovação’, até o cara que não tem luz na frente de casa. Só que existem políticas na cidade para ambas as coisas. Então, [a] participação social [permite a] inclusão”.