Quando o assunto é moradia, as perspectivas não são nada animadoras para os próximos prefeitos. Nem no Brasil, nem no mundo. A ONU estima que a população urbana deve dobrar, até 2030. Isso exige a criação de um bilhão de novos lares até lá, em cidades já saturadas e com terrenos caros. A boa notícia é que a legislação brasileira conta com uma série de instrumentos que podem induzir a um uso mais inteligente do território urbano sem custar horrores para os cofres públicos. A má notícia é que esses mesmos instrumentos estão encalhados há tempos, sem regulamentação e/ou aplicação, na maioria dos grandes centros urbanos do país.
São instrumentos previstos no Estatuto das Cidades e incorporados pelos Planos Diretores dos municípios, e que podem revolucionar o uso do solo em uma cidade se usados de forma combinada. O IPTU progressivo, por exemplo, aumenta a disponibilidade de imóveis no mercado, pois aumenta o imposto daquelas construções e terrenos que estão sem uso. Pode ser aplicado nas chamadas zonas de habitação de interesse social (Zeis), para garantir que a terra naquela região seja barata, ou seja, acessível para a população de baixa renda. Também pode ajudar a controlar um possível boom no valor do aluguel, caso o governo opte por pagar um subsídio às famílias que vivem em casas alugadas.
O prefeito que queira enfrentar esta equação vai precisar de “extraordinária vontade política”, na opinião de Celene Tonella, professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles. “Ele pode usar estes instrumentos, como o IPTU progressivo, para liberar terrenos para a moradia de interesse social. Outra opção é criar um fundo [de habitação] que tenha captação real, [que] diga de onde vem o recurso, se vai ser das multas, como vai ser captado e direcionado. E aí ter um conselho de habitação para decidir como vai superar este déficit”. No caso de Curitiba, a revisão da Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo à luz do novo Plano Diretor da cidade pode desencalhar instrumentos fundamentais para a promoção da moradia.
No Brasil, a solução para a falta de moradia sempre foi sinônimo de “casa própria”. A ideia de facilitar o caminho para que as pessoas comprem suas próprias casas funciona bem com setores da classe média. Mas é um gargalo para a população de baixa renda, já que há pouca oferta do mercado e as Cohabs enfrentam dificuldade em encontrar terrenos a preços baixos.
O aluguel como novo ingrediente
Em muitos países, a solução encontrada foi a de construir moradias públicas. É mais barato para o usuário, que não precisa arcar com os custos da compra de uma residência. E dá ao governo uma ferramenta para controlar os preços do mercado de aluguéis. A desvantagem é a necessidade de um grande investimento inicial. E que não é recuperado pelas mensalidades, já que estas são destinadas à manutenção (que precisa ser constante, para garantir a qualidade da habitação).
Nos Estados Unidos, a política de moradias públicas foi adotada nos anos 1930, como medida pós crise de 1929, e chegou ao ápice nos anos 1970, com um estoque de quase 1,4 milhão de unidades. Gradualmente, o modelo foi substituído por vouchers, em que os inquilinos gastam até 30% da sua renda com aluguel e o Estado completa o valor restante. Atualmente, a Section 8 (programa que faz referência à parte da legislação sobre moradia no país) destina US$ 465 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) anuais a cerca de 45 mil famílias.
O programa é citado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que em documento de 2014 aconselha um maior incentivo à locação na América Latina, para diminuir o déficit habitacional na América Latina. Além de medidas de mercado (como a diminuição dos prazos para a reintegração de posse e incentivos para que os imóveis vazios sejam disponibilizados para aluguel), o banco vê com bons olhos subsídios diretos: “quando se fala de famílias com renda próxima a zero, por mais barata que seja a moradia, não basta reduzir o valor do aluguel para que seja acessível”.
E o Brasil pode ser um bom lugar para começar. A instituição estima que 9,1% da demanda por moradia no país seja composta por famílias sem nenhuma renda. Também entre as estatísticas estão as famílias que gastam demais com o aluguel (mais de um terço da renda): segundo dados da Fundação João Pinheiro, com base nos dados da Pnad, quase metade do déficit habitacional brasileiro é composto por pessoas nessa situação. Se analisados apenas os grandes centros urbanos, essa parcela tende a ser ainda maior que na média nacional.
Em Curitiba e região metropolitana, por exemplo, 51,3% do déficit habitacional de 84 mil domicílios são de famílias que gastam demais (mais de um terço da renda) com aluguel. As demais residem em domicílios precários, coabitação (mais de uma família sob o mesmo teto) e em domicílios alugados muito densos (com mais de três pessoas por cômodo). Em São Paulo, onde a parcela de famílias sofrendo com o aluguel excessivo também corresponde a mais da metade do déficit habitacional, a Câmara Municipal aprovou no último mês de junho o novo Plano Municipal de Habitação, que incluiu, pela primeira vez, o aluguel como um novo ingrediente da área.
O que outras cidades têm a ensinar a Curitiba
Detentora de vários prêmios e sempre presente nas primeiras posições entre as cidades do Brasil e da América Latina não é fácil encontrar áreas em que Curitiba não tenha evoluído ou mesmo não seja referência. Nessas Eleições 2016, Futuro das Cidades se propôs a encontrar essas áreas e trazer boas ideias que deram certo lá fora e podem funcionar por aqui também. Esta é a quinta reportagem nesse sentido. A primeira tratou sobre o que Curitiba tem a aprender sobre rios mais limpos. A segunda, sobre a falta de mapeamentos dos imóveis desocupados. Ainda falamos sobre o porquê de Curitiba ainda não ter um bilhete único no transporte e sobre as atribuições dos municípios em segurança pública.
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