Visitantes que tentam usar o Uber em Vancouver, no Canadá, estão tendo uma surpresa. Ao abrir o aplicativo de mobilidade, em vez da página familiar com a rede atuante na cidade, aparece uma petição da empresa para que os usuários a ajudem a trazer o serviço para a província da Columbia Britânica. “Torne o Uber na BC [sigla da província em inglês] uma realidade”, diz o texto. No último mês de maio, Daniel Saks, que comanda uma nuvem de startups chamada App Direct em São Francisco, nos Estados Unidos, foi para a cidade canadense para uma viagem de negócios de dois dias. Saks já usou o Uber em mais de 60 cidades no mundo; em Vancouver, ele pagou uma taxa de US$ 1 mil para contratar um motorista de aluguel. “É a única cidade no mundo onde eu preciso contratar um motorista”, diz ele. “Não entra na minha cabeça.”
Poucas cidades médias têm sido tão inóspitas para o Uber quanto Vancouver, que mandou um recado à empresa há quatro anos, quando seus legisladores a classificaram como um serviço de limousine, destruindo toda a lógica do aplicativo. Sim, Uber já enfrentou resistência por aí, mais recentemente em Austin, Texas, de onde se retirou depois que perdeu uma votação que exigia que os antecedentes de todos os motoristas fossem checados. Por lá, porém, onde os deslocamentos pioraram após a saída do Uber e do Lyft, ainda é possível que a prefeitura e a empresa cheguem a um acordo.
Tal abertura não é esperada de Vancouver, onde políticos já declararam não estão com pressa alguma para fazer as pazes com uma companhia vista por muitos como uma invasora estrangeira e ameaça ao negócio local de táxi.
Se não fosse isso, Uber e Vancouver fariam um par ideal. A terceira maior metrópole do Canadá se apresenta como o Vale do Silício do Norte – sede da Hootsuite, um sistema de gestão de marcas nas redes sociais, e outras novas tecnologias de vanguarda que empregam milhares de jovens trabalhadores. A cidade de 2,5 milhões de habitantes tem um transporte público razoável, mas não perfeito, uma proporção de táxis por habitante insuficiente e o trânsito mais caótico do Canadá. No últimos mês de maio, o site Vancity Buzz (agora chamado de Daily Hive) noticiou que passageiros de cruzeiros que aportaram na cidade tiveram de esperar 90 minutos para pegar um táxi, formando uma fila de várias quadras.
Vancouver parece, então, uma cidade ideal para o aplicativo. Foi o que pensou o Uber quando lá na primavera de 2012. Na ocasião, a companhia de São Francisco estava realizando a sua primeira expansão mundial e considerou Vancouver um caminho natural para isso, então ofereceu corridas grátis para festas exclusivas. Chamou a atenção o fato de que seus dois primeiros clientes, à época, foram uma estrela de reality show e um CEO de uma rede social startup. Tão confiante estava a empresa, que o Uber avisou os motoristas que talvez não houvesse parceiros suficientes para atender a demanda. Uber estava seguindo seu protocolo normal: pedindo desculpas [por qualquer incômodo], antes de pedir permissão [para operar].
Mas o manual de instruções da empresa parecia estar sem um capítulo importante, o do Conselho de Transporte de Passageiros da Columbia Britânica. É este conjunto de seis membros que define as taxas e regula os serviços de táxi, táxi-executivo e limousines na cidade. E este Conselho está cheio de pessoas mais velhas e não muito amigáveis em relação às ultimas tendências. Essa é a avaliação do diretor do Centro de Estudos de Transporte da Universidade da Columbia Britânica, David Gillen.
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Leia a matéria completaNa província, as limousines e os táxis-executivos ou carros de aluguel têm de cobrar um mínimo de 75 dólares, uma tarifa para evitar a concorrência direta desses serviços com o táxi comum. Na visão do Conselho, o Uber é uma companhia de limousine que está quebrando as regras, segundo Don Zurowski, membro da entidade que mora em Prince George, uma cidade pequena a 800 quilômetros ao norte de Vancouver.
Em novembro de 2012, o Conselho informou “motoristas de limousine” que estavam trabalhando para o Uber que eles estavam violando a lei e que poderiam perder suas licenças que não cobrassem a tal tarifa mínima. “Se mesmo sendo informado você viola as leis do território, haverá consequências”, disse Zurowski em uma entrevista. “Naquele momento, o Uber decidiu se retirar.”
A saída do aplicativo criou uma comoção, via e-mail e redes sociais, direcionada ao Conselho, segundo atas da entidade que datam de 2014. Em um curto período de tempo, o Conselho recebeu 700 e-mails, a maioria apoiando o Uber. A hashtag #UberVanLove ficou entre as mais relevantes no Twitter.
Vancouver parece ser mesmo uma exceção no Canadá. O Uber opera em Toronto desde 2012, apesar de um debate ainda em curso sobre a legalidade de sua regulamentação. No início deste ano, a maior cidade canadense estabeleceu algumas regras para o funcionamento de aplicativo de carona e mobilidade, fazendo com que a tarifa base para uma corrida de Uber subisse um pouco e deixando que o táxi comum também aumentasse a taxa das viagens pedidas via aplicativos. A empresa, que tem mais de 400 mil usuários regulares em Toronto, recebeu bem as regras, enquanto o setor de táxis reclamou.
Em Quebec, o Uber tem 450 mil usuários, a maioria na cidade de Montreal. O ministro dos transportes da província tem sido bastante crítico em relação à companhia e publicou, mas acabou permitindo, via decreto, que os motoristas do aplicativo conseguissem licenças táxi para dirigir enquanto um debate maior sobre o serviço ocorre.
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Leia a matéria completaCríticos dizem que a administração da Columbia Britânica está se curvando para o poderoso setor de táxi de Vancouver. Kulwant Sahota, presidente da companhia Yellow Cab e presidente da associação de táxi da cidade, alega que o Uber trará uma competição injusta para a categoria e em um momento em que o custo de vida aumentou. É uma tecla na qual a indústria do táxi tem batido repetidamente. “O lobby dos táxis tem tido sucesso”, diz Gillen, que diz também que representantes do setor colaboram frequentemente para a arrecadação de fundos do Partido Liberal.
Em outras cidades, o Uber tem insistido em funcionar mesmo contra a vontade das autoridades, pagando multas por seus motoristas enquanto tentam obter apoio político para regras mais amigáveis ao serviço. Segundo Ian Black, que comanda as operações do Uber no Canadá, porém, a empresa decidiu deixar Vancouver porque não queria que seus motoristas parceiros perdessem suas licenças. “É como essas pessoas ganham suas vidas. O Conselho adotou uma postura muito dura [em relação ao aplicativo].”
E essa postura não mudou. Ainda que o Uber tenha argumentado que seu modelo não se encaixa na regulamentação já existente e que, por isso, não deveria ser tratado ou comparado a outro serviço já regulado, Zurowski rebate: serviços de transporte que visam o lucro precisam ser licenciados pelo Conselho de Transporte de Passageiros da Columbia Britânica. Quando boatos surgiram em 2014, sobre o Uber lançar uma campanha de guerrilha com novos motoristas, o ministro de transportes da província ameaçou lançar mão de fiscais a paisana para multar parceiros não licenciados.
Em janeiro último, houve sinais de que a administração local poderia estar mudando de ideia. O premiê canadense Christy Clark pediu a Peter Fassbender, o ministro a frente da pasta de trânsito, para começar um diálogo com os municípios, a fim de encontrar uma solução para o Uber. A administração usou o Facebook para perguntar aos cidadãos sobre a questão. Mas pouco se avançou desde então. Quando questionado sobre os próximos do governo nesse sentido, em junho, Fassbender disse que as autoridades estão sendo orientadas a manter uma espécie de vista grossa em relação à questão, para, assim, manter uma relação amigável para táxis e Uber. Ele planeja soltar uma consulta pública em setembro para ter um retorno mais amplo dos envolvidos sobre o aplicativo.
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