Não é de hoje que o governo do Paraná alega cofres desabastecidos, o que dificultaria o pagamento de fornecedores e a concessão de reajustes ao funcionalismo. Na busca por mais recursos, e as tentativas foram variadas, o governo estadual também conseguiu abocanhar as verbas de quase todos os fundos estaduais ligados ao Executivo através de duas alterações na legislação, feitas em dezembro do ano passado e em abril último. Em 2015, 13 fundos estaduais devem render quase R$ 700 milhões para o caixa geral. Agora, setores do estado ligados à segurança pública, como o sistema prisional, estariam sentindo os efeitos das mudanças na destinação dos recursos dos fundos estaduais. Especialistas ouvidos pela reportagem alertam ainda que a medida, na prática, também tira a autonomia dos conselhos responsáveis pela gestão dos fundos e pode comprometer investimentos em ações e programas estaduais.
Mudança na legislação dos fundos estaduais é alvo da OAB e do MP
Leia a matéria completa“Dinheiro dos fundos não era aplicado”, diz coordenador financeiro do estado
Leia a matéria completaUm fundo é um mecanismo de organização de recursos bastante utilizado em administrações públicas Brasil afora e, pela regra geral, 70% da verba recolhida deve, obrigatoriamente, ser gasta com investimentos (ações e programas). A verba restante (30%) é utilizada em custeio, ou seja, serve para manter o próprio fundo. No Paraná, com as alterações na legislação, o governo estadual vincula as verbas dos fundos ao caixa geral do estado e ganha autorização para gastar o dinheiro com qualquer coisa, desde que a despesa esteja atrelada à área de origem do fundo. Ou seja, a verba do Fundo Penitenciário (Fupen) pode servir para pagar despesas da Secretaria de Estado da Segurança Pública, por exemplo.
“Eu gosto da utilização dos fundos porque é uma verba que fica separada, tem finalidade específica. Serve para racionalizar o uso do dinheiro. Acho que a alteração feita pelo governo do Paraná é ruim. Os fundos perderam a autonomia”, avalia o advogado Rodrigo Kanayama, especialista na área. Por outro lado, ainda segundo ele, “há um impasse, porque demonstra que o estado não tem de onde tirar [dinheiro]. Parece uma medida desesperada. A gente espera que no futuro isso seja resolvido”, pondera Kanayama.
Para Rafael Viegas, do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná, houve uma “alteração importante” na legislação, envolvendo “recursos de grande monta”, e a discussão sobre o tema foi quase nula. “Ninguém questionou ainda a legalidade dessa mudança, que significa que o governo estadual pode pegar todo o dinheiro dos fundos e aplicar onde ele quiser”, critica Viegas.
Sistema prisional
No Paraná, em função da alegada crise financeira, dinheiro de fundos estaduais inicialmente destinado a ações de investimento também serviria para “tapar buraco” e compensar a falta de recursos do tesouro estadual, de acordo com uma das integrantes do conselho responsável pela gestão do Fupen, Isabel Kugler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. “É dever do estado, por exemplo, fornecer um kit de higiene para cada preso, com papel higiênico, sabonete, sabão para roupa, creme dental e escova de dente. Mas já tem uns três anos que o governo estadual não consegue comprar o kit completo. Aí o fundo (Fupen) assumiu este papel e passou a comprar papel higiênico e barra de sabão. Agora, sem o dinheiro do fundo, as famílias dos presos é que estão levando o papel higiênico. Imagina quem não tem família para ajudar?”, relata ela. Para Isabel, a alteração na legislação causa indignação. “Já era difícil antes. O dinheiro do fundo não é muito. Mas era alguma coisa.”
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