SP vira praça de guerra no quarto dia de protestos
A revolta contra a alta das tarifas de ônibus voltou a provocar protestos ontem em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, agravando o crescente clima de insatisfação da população com os custos do transporte público no país. Na capital paulista, a quarta manifestação voltou a levar pânico e violência ao centro da cidade.
Manifestantes voltam a enfrentar a polícia no Rio
Terminou em confusão a passeata contra o reajuste das passagens dos ônibus urbanos do município do Rio. A Polícia Militar (PM) acompanhou pacificamente toda a caminhada que saiu da Candelária e seguiu pela Avenida Rio Branco até a Cinelândia, onde os manifestantes fizeram uma rápida votação para saber se continuariam com o protesto. Como eles decidiram retornar para a Candelária, a PM resolveu agir com rigor para dispersar os participantes do ato.
Repórter é baleada no olho com bala de borracha em SP
Uma repórter do jornal Folha de S. Paulo foi baleada no olho com uma bala de borracha na noite desta quinta-feira (13) durante protesto contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. Segundo Giuliana Vallone, da TV Folha, ela estava em um estacionamento na Rua Augusta quando uma viatura da Rota se aproximou em baixa velocidade e um PM que estava no banco de trás atirou contra ela.
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O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, decidiu convidar integrantes do Movimento Passe Livre, que tem organizado a onda de protestos contra o aumento da tarifa do ônibus, para uma reunião na próxima terça-feira.
Haddad informou à reportagem na tarde de hoje que convidará o grupo para participar de uma reunião extraordinária do Conselho da Cidade. O conselho é um órgão consultivo criado pelo prefeito neste ano e reúne 166 membros de movimentos sociais, entidades de classe, empresários, entre outros.
"O Movimento Passe Livre" terá espaço na terça-feira para apresentar suas propostas sobre o transporte público", disse Haddad.
O prefeito, no entanto, ressalta que o convite não significa que o governo tenha a intenção de reduzir a tarifa reajustada recentemente de R$ 3 para R$ 3,20.
Nesse ponto, segundo o prefeito, não há negociação. "O Movimento Passe Livre nos pediu espaço para discutir o tema, estamos abrindo debate", afirmou Haddad.
Comando da Polícia Militar atribui confrontos a descumprimento de acordo
Mais cedo, o comando da Polícia Militar atribuiu os confrontos no protesto dessa quinta-feira (13) contra o aumento da tarifa de transporte coletivo a um suposto descumprimento de um acordo feito com os manifestantes. O coronel responsável pela operação, Reinaldo Rossi, afirmou que o trajeto combinado começaria na Praça Ramos de Azevedo, passaria pela Praça da República e terminaria na Praça Roosevelt. A confusão começou quando os manifestantes anunciaram que subiriam a Rua da Consolação. "Em razão da ausência de liderança do movimento, houve início de arremesso de objetos contra os policiais", disse.
Veja galeria de fotos do protesto em São Paulo
O comandante-geral da PM, coronel Benedito Meira, afirmou que, a partir desse momento, ele tomou a decisão de acionar a Tropa de Choque. "Na terça-feira, entendemos que o emprego da Tropa de Choque não foi necessário e houve vários policiais feridos. Ontem, eu decidi que era necessário o emprego da Tropa de Choque", afirmou.
Os oficiais afirmam que qualquer excesso da polícia será apurado. Questionados sobre agressões a jornalistas, eles se limitaram a justificar a ação que terminou com a repórter da TV Folha Giuliana Vallone atingida no olho. Segundo Meira, policiais da Tropa de Choque que estavam em um ônibus revidaram pedradas de manifestantes. "O projétil de elastano ricocheteou no chão e atingiu a jornalista que estava em um estacionamento."
Apesar das imagens que mostram os policiais tentando impedir a chegada de manifestante à Avenida Paulista, a PM afirma que não tentou restringir a marcha dos manifestantes. Eles afirmam que apenas precisavam de tempo para o rearranjo da tropa.
Feridos
Na noite de quinta-feira, integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) fizeram uma ronda pelos principais hospitais da região central, oferecendo auxílio financeiro aos feridos. Segundo uma das líderes, Luiza Mandetta, houve "pelo menos 105 feridos durante o confronto, 50 na Paulista e 55 na Consolação", incluindo jornalistas que cobriam o protesto. O MPL também oferecia "ajuda jurídica" aos feridos que quisessem processar o Estado.
Pelo menos dez feridos ainda eram atendidos na Santa Casa, no início da madrugada. Entre as vítimas, estavam pessoas que apenas passavam pela zona de confronto, como uma mulher atingida por uma bala de borracha na janela de um ônibus. Já os que participaram do protesto, como a estudante Maira Leite, de 25 anos, que teve o braço ferido por um estilhaço de bomba, e seu namorado, Tiago Carvalho, relataram que se sentiram acuados, "presos como em uma ratoeira". "Mas a gente volta (para o protesto), com mais pessoas, mais vinagre e mais medo", disse Carvalho.
Medo também era o sentimento do estudante Henrique Droulez, de 22 anos, que mora na França, mas veio ao Brasil visitar a família e levou um tiro de bala de borracha na perna. "Fui agredido dentro da viatura. Falaram que iam me matar e jogar o corpo no Tietê", disse. "Não esperava uma resposta tão violenta da polícia."
Imprensa
Os registros de feridos começaram ainda na região da Consolação. Policiais da Rota, fora do foco de confronto, dispararam aleatoriamente balas de borracha contra pessoas que estavam na rua - incluindo jornalistas. A reportagem do Estado, que se identificou antes da ação, também foi alvo dos PMs. Os repórteres Bruno Ribeiro e Renato Vieira foram atingidos por bombas de gás.
Já a repórter Giuliana Vallone, da TV Folha, levou um tiro de bala de borracha no olho e o fotógrafo da Folha de S. Paulo Fábio Braga foi alvo de três disparos. "A polícia mirou em cima de mim." Sete jornalistas da Folha de S. Paulo ficaram feridos. Em nota, o jornal repudiou "toda forma de violência" e protestou "contra a falta de discernimento da PM no episódio". O secretário da Segurança, Fernando Grella Vieira, determinou a apuração dos episódios com profissionais da imprensa. O jornalista Piero Locatelli, da revista Carta Capital, foi detido por portar uma garrafa de vinagre. Levado ao 78.º DP (Jardins), acabou liberado à noite.
Dos 235 detidos, 231 são liberados após prestar depoimento
A polícia deteve ontem ao longo de todo o quarto dia de protesto contra o aumento das tarifas no centro de São Paulo ao menos 235 pessoas. Desses suspeitos, 198 foram encaminhados ao 78º DP (Jardins) e outros 37 para o 1º DP (Liberdade).
Segundo a polícia, do total, 231 foram ouvidas e liberadas durante a madrugada. Os quatro restantes seguem presos, sem direito a pagamento de fiança, por formação de quadrilha. Eles estão detidos na carceragem do 2º DP (Bom Retiro) e devem ser transferidos para um CDP (Centro de Detenção Provisória) ao longo de hoje.
O prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou na noite de ontem que a manifestação contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trens foi marcada pela "violência policial". Durante o protesto, sete jornalistas da Folha de S.Paulo ficaram feridos.
"Na terça, a imagem que ficou foi da violência dos manifestantes. Hoje, infelizmente, não resta dúvida, a imagem que ficou e da violência policial". Ele disse que hoje avaliará as medidas que tomará para tentar conter a escalada de violência nos protestos.
Fotógrafo pode perder a visão
Um fotógrafo foi atingido no olho por uma bala de borracha durante a manifestação. Sérgio Silva trabalha na agência de fotografia Futura Press e estava participando da cobertura jornalística do protesto quando foi atingido. Segundo o colega de trabalho Edno Luan, também da Futura Press, familiares disseram que ele corre o risco de perder a visão.
Silva está internado no hospital Nove de Julho desde a madrugada dessa sexta-feira (14). A assessoria de imprensa do hospital disse que não fornecerá informações sobre o paciente "por uma questão de privacidade e segurança". Ele deve ser transferido para um hospital especializado em oftalmologia ainda hoje.
Durante o protesto nessa quinta-feira, policiais da Rota, fora do foco de confronto, dispararam aleatoriamente balas de borracha contra pessoas que estavam na rua. A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que se identificou antes da ação, também foi alvo dos PMs.
O secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, determinou a apuração dos episódios com profissionais da imprensa.
Democracia
O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, fez uma manifestação sobre os protestos registrados esta semana nas capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. As manifestações tiveram como principal foco os recentes reajustes das tarifas do transporte urbano. Damous destacou que os protestos são inerentes à democracia e criticou a forma de reação da polícia, remetendo as práticas adotadas para conter as manifestações "à época do regime autoritário".
"Manifestações de protestos e passeatas são inerentes à democracia, causam transtornos, incômodos e contratempos. Mas, isso faz parte da democracia. Inaceitável é a truculência com que a Polícia agiu, a exemplo de como fazia à época do regime autoritário. Intolerância, violência, são incompatíveis com o processo democrático", criticou. "Esses aumentos nas tarifas das passagens dos transportes coletivos são fixados sem qualquer transparência ou explicação, o que justifica plenamente que as milhares de pessoas prejudicadas protestem."
Apesar da crítica às ações policiais, Damous não foi condescendente com atos praticados por manifestantes, que geraram danos nas cidades. "Por outro lado, a legitimidade dos protestos não justifica a depredação do patrimônio público e atos de vandalismo. É preciso que as partes dialoguem e negociem. Mas a iniciativa deve partir do governo. Os nossos governantes têm que aprender de uma vez por todas que não se constrói a democracia com o espancamento de manifestantes nem com matança de índios", ressaltou Damous.
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