O médico e psicólogo Rui Fernando Cruz Sampaio segura uma caneta diante dos olhos da paciente. Sentada em uma poltrona, a jovem fixa o olhar no objeto e, aos comandos de voz do especialista, sente as pálpebras pesarem. Em pouco tempo, ela é induzida a um transe hipnótico. Longe do estigma sacramentado por filmes e apresentações de tevê – em que as pessoas hipnotizadas imitam animais ou comem cebola como se fosse maçã – a hipnose se consolidou como método sério. Cada vez mais, é usada como ferramenta auxiliar no tratamento de distúrbios psicológicos – como depressão e fobias – e capaz de solucionar crimes.
O Paraná, aliás, é pioneiro na aplicação da hipnose em investigações criminais. A técnica começou a ser usada experimentalmente no estado em 1983. Com os bons resultados, em 1999, o Instituto de Criminalística (IC) criou o laboratório de hipnose forense – ainda hoje, o único da América Latina. De lá pra cá, o método contribuiu com a apuração de mais de 800 crimes, dos quais praticamente não havia pistas. Em alguns deles, a hipnose foi decisiva.
“A hipnose é usada em vítimas ou testemunhas de um crime, que estejam com amnésia total ou parcial, ou seja, que tenham sofrido um bloqueio natural dos detalhes do caso”, diz Sampaio, idealizador e chefe do laboratório no IC. Em média, o departamento atende a uma média de sete pessoas por mês. A maioria delas foi vítima de estupro ou presenciou assassinato.
A partir do transe, o hipnotista pode, por meio de diversos métodos psicológicos, desbloquear a memória do paciente, fazendo com que ele se lembre de detalhes que podem ser determinantes para esclarecer as circunstâncias dos crimes. A maioria das vítimas se recorda de detalhes, a ponto de ter condições de elaborar um retrato falado com alto grau de verossimilhança com os agressores.
Na semana passada, quando a reportagem visitou o laboratório, por exemplo, os peritos tinham acabado de fazer um retrato falado com base no depoimento de uma mulher que, depois de ter sido hipnotizada, lembrou-se claramente do rosto do homem que assassinou o namorado dela. O crime ocorreu em 2010, no bairro Xaxim, em Curitiba, e as investigações estavam paradas por falta de pistas. “Um retrato falado, como este, pode ser a chave para a polícia chegar ao autor do crime”, afirma o chefe do laboratório de hipnose forense do IC.
Em outros casos, as pessoas descrevem particularidades dos crimes que foram vítimas ou presenciaram – como a cor de uma peça de roupa, a placa de um carro ou um objeto - dados que também podem ajudar as investigações. Em 2001, um veículo Chevrolet Ômega atropelou e matou dois jovens. Após tomar o depoimento de testemunhas, a polícia passou a procurar por um veículo bordô. Depois de ser hipnotizado, um rapaz que presenciou a cena apontou que o carro na verdade era azul. O Ômega foi encontrado em um galpão abandonado. Um exame DNA comprovou que o sangue na lataria do carro era de uma das vítimas do atropelamento.