Vânia* precisou ser forte como nunca em 21 de maio. Rendida por um motoqueiro armado com uma faca, ela foi levada a um matagal no bairro Sítio Cercado, em Curitiba, onde teve a roupa rasgada e foi estuprada. A jovem, de 22 anos, conseguiu escapar e, apesar do trauma, chamou imediatamente a polícia. Enrolada em um lençol, ajudou nas buscas pelo estuprador, que acabou preso.
Atitudes imediatas como a de Vânia* – ainda que não tão incisivas – são determinantes para o desdobramento desses casos. As horas seguintes ao crime são classificadas como importantíssimas para a saúde da própria vítima. Em até 72 horas depois do estupro, elas podem tomar o coquetel antirretroviral (que previne a Aids) e antigravidez. Se forem medicadas após esse período, os remédios não fazem efeito e as vítimas são apenas acompanhadas, para constatar se não contraíram doenças.
Por outro lado, as horas seguintes ao crime também são decisivas para o sucesso das investigações criminais. Com a busca imediata, é possível coletar material genético no corpo da vítima, o que pode se tornar prova incontestável contra o agressor – por meio de um exame de DNA, por exemplo. Por isso, a orientação é de que as mulheres não tomem banho após sofrer a violência, o que poderia eliminar vestígios. As roupas usadas devem ser levadas à polícia em sacos de papel – e não de plástico, que podem provocar abafamento, prejudicando eventuais materiais genéticos impregnados nas peças.
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“Além dessa prova genética, se a vítima nos procurar imediatamente, eu posso ir até o local, verificar se tem vestígios, se o agressor esqueceu algum objeto, se tem câmeras de segurança, se há alguma testemunha. Isso pode ser determinante”, apontou a delegada Sâmia Côser, chefe da Delegacia da Mulher de Curitiba.
Outro ponto é que a demora pode prejudicar exames de conjunção carnal (que comprovam penetração) e de ato libidinoso (atos que implicam no contato do pênis com a boca, ânus ou vagina da vítima, sem penetração). Entre 2012 e 2015, o Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba realizou 4.734 perícias – mais de 80%, em crianças e adolescentes– desse tipo, mas em apenas 1.109 casos puderam produzir provas, constando o estupro.
Um dos aspectos para o baixo índice de comprovação é que os exames são incapazes de comprovar a violência se forem realizados 48 horas após o estupro ter sido cometido, segundo a médica-legista Maria Letícia Fagundes,.
Barreiras
Apesar da importância da rapidez na procura por ajuda especializada, as próprias autoridades reconhecem que as vítimas têm que enfrentar uma série de barreiras – como o medo e a vergonha – para decidir romper o silêncio pós-estupro. Isso fez com que o Ministério Público do Paraná (MP-PR) criasse, em 2011, o Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves). No lugar de esperar pelas pessoas que sofreram o crime, o grupo as procura, oferecendo auxílio psicológico e atendimento jurídico.
“Nós procuramos fortalecer a vítima, para que ela perceba que não está sozinha e possa representar contra o agressor. Porque é uma situação muito difícil para a vítima. Em geral, elas têm receio em tocar no assunto, como se fossem esquecer. Mas elas nunca se esquecem”, disse a procuradora Rosângela Gáspari, coordenadora do núcleo.
Apesar da dor e do trauma de terem sido alvo desse tipo de crime, as mulheres ainda têm que “reviver” as violências ao longo do processo de investigação e judicial. “Não é fácil. Ela vai ter que vir à delegacia, relatar o que aconteceu. Depois, vai ter que relatar ao MP-PR, numa audiência, à Justiça. Com tudo isso, ela vai revivendo o que passou. Mas é a forma de punir os agressores”, aponta a delegada Sâmia.
Por isso, não raramente, as vítimas desenvolvem quadros de stress pós-traumáticoe precisam de acompanhamento psicológico intenso. Não bastasse isso, até 70% das que tomam o coquetel de medicamentos após o estupro sofrem efeitos colaterais, como dores de cabeça e náusea.
“O acolhimento tem que ocorrer desde o início, para que a vítima possa superar as sequelas emocionais. São comuns casos em que as mulheres passam a ter pesadelos, têm que abandonar o trabalho por medo de sair de casa, receio de andar de ônibus. As consequências são muito graves”, apontou Rosângela.
* Nome fictício