Flora Besdudnyi, 70 anos, foi atingida por um carro desgovernado na calçada em frente de casa: 45 dias de cama e 47 sessões de fisioterapia| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Transtorno

Acidente freia ânimo de aposentada

Numa tarde de domingo, a aposentada Flora Besdudnyj, 70 anos, de Ponta Grossa, não hesitou em deixar o conforto da sua sala para atender a vizinha que batia à porta. Quando estava na calçada, conversando com a amiga, Flora ouviu um estrondo e voltou o olhar para o lado. Depois disso, ela só se lembra que abriu os olhos e percebeu que estava caída na calçada, ao lado de um carro batido no portão, com as mãos ensanguentadas e sem conseguir levantar, devido à dor nas pernas. O atropelamento ocorreu há quatro meses, mas a aposentada ainda tenta se recuperar dos ferimentos e do trauma.

Ela foi atingida por um carro desgovernado que subiu na calçada. Quebrou o joelho direito e um dedo da mão esquerda, além de levar pontos na cabeça e nas costas. Ficou 45 dias de cama, fez 47 sessões de fisioterapia e teve de implantar um pino no dedo indicador esquerdo. Flora precisa de muletas para andar e não recuperou completamente os movimentos. "Não consigo mais fechar a mão", comenta.

A convalescença foi acompanhada por amigas e parentes. "Todos os dias em que estive de cama recebi visitas. Fazíamos até piquenique no quarto. Todos me apoiaram bastante".

Além dos transtornos, ela se ressente de ter perdido a independência. "Eu tenho 70 anos, mas me sinto como se tivesse 15. Acordava às 6 da manhã, fazia meu café, andava direto pela cidade", lembra. Flora, que é viúva e perdeu o único filho num acidente de carro, mora com os dois netos jovens. Para ajudá-la na recuperação, contratou uma cuidadora. "Agora está ficando mais fácil, estou conseguindo até tomar banho sozinha", conta.

O acidente a surpreendeu, pois a aposentada diz que sempre foi muito cuidadosa no trânsito. "Quando ia ao mercado, ficava esperando a melhor hora de atravessar. Não imaginava que pudesse acontecer isso comigo na frente da minha casa", diz.

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O número de vítimas de trânsito da terceira idade mostra os perigos aos quais os pedestres se expõem ao caminhar pelas ruas das cidades. Não é uma carnificina como a demonstrada no polêmico jogo Carmageddon, que chegou a ser proibido no Brasil por incentivar o atropelamento de velhinhos. Mas o risco é alto.

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Dos 6.690 atropelamentos aten­­didos pelos socorristas do Cor­­po de Bombeiros no ano passado no estado, 1.074 foram de pessoas com mais de 60 anos, 16% do total. No ranking por faixa etária de risco no trânsito paranaense, os adultos de 20 a 24 anos são as principais vítimas (683 atropelamentos), seguidos pelos jovens de 15 a 19 anos (620 casos). As pessoas que já passaram dos 70 anos estão no terceiro grupo mais vulnerável, com 578 registros de atropelamentos.

O ritmo de vida dos idosos, com mais saúde e disposição para assumir tarefas fora de casa como idas ao supermercado e bancos, ou mes­­mo trabalho e lazer, coloca mais velhinhos nas ruas. Para quem já tem a mobilidade reduzida por causa de algum problema de saúde, atravessar a rua torna-se um desafio.

O presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe), Eduardo José Daros, observa que o Código de Trânsito Brasileiro ga­­ran­­te proteção aos pedestres de ma­­neira geral. "Os caminhões de­­vem cuidar dos carros, que devem cuidar das motos. E todos devem zelar pela segurança dos pedestres. Ainda mais se os pedestres têm a mobilidade reduzida por algum motivo, como os idosos", comenta. Mas a regra básica é esquecida.

Os números variam entre as gran­­des cidades do Paraná. Em Londrina, o número de idosos atropelados representa 22,2% do total de casos, enquanto que em São José dos Pinhais não passa de 9,7%. Na capital, a média é de 15,2%. Para o comandante da Companhia de Trânsito de Londrina, tenente Ricardo Eguedis, a explicação para a alta taxa está em um fator cultural. "Os idosos de Londrina saem bas­­tante de casa, têm uma vida ativa", argumenta. Por outro lado, São José dos Pinhais concentra um grande volume de carros. "Temos a sétima maior frota do estado e chegamos em terceiro lugar se considerarmos a frota circulante devido aos contornos rodoviários", in­­forma o diretor municipal de trânsito, Eduardo Undria. O baixo ín­­dice de atropelamentos de idosos, segundo ele, deve-se ao fato de a cidade ser bem sinalizada e manter um histórico de palestras de educação para o trânsito em em­­presas e escolas.

Educação

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Palestras educativas, completadas com aulas práticas, são desenvolvidas nas escolas de trânsito do Departamento de Estradas de Ro­­dagem (DER). São seis delas nas principais cidades do estado. A coordenadora Maria Lucia Alves Kutianski admite que o idoso não é o foco das escolas, mas que a segurança no trânsito para a terceira idade é lembrada principalmente no mês de setembro, durante a Semana Nacional do Trânsito.

Para o sargento Lenon Marcos Messias, do Corpo de Bombeiros em Ponta Grossa, antes de tudo é preciso contar com a conscientização de motoristas e dos próprios idosos pa­­ra reduzir as estatísticas. "É preciso que todos respeitem as vagas privativas, por exemplo. Isso evita que eles deixem o carro mais longe e tenham de atravessar ruas movimentadas, e se expondo a mais riscos."

O cuidado deve ser dobrado quando o pedestre tem alguma li­­mi­­tação motora. "O idoso que é por­­tador de alguma doença que comprometa sua capacidade de ambulação provavelmente levará mais tempo para cruzar a mesma via, terá mais dificuldade para ver e ouvir um veículo que se aproxime e terá menos sucesso ao tentar evitar um atropelamento", explica o médico geriatra e presidente da seccional estadual da Sociedade Brasileira de Geriatria e Geronto­­lo­­gia, Rodolfo Augusto Alves Pedrão. Não há uma estatística oficial sobre o número de atropelamentos de idosos que morrem por sequelas do acidente, mas a recuperação é mais lenta que para um adulto saudável.