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Idade da pedra

Infância esquecida

Daniel (nome fictício): crack aos 9 anos, lembranças confusas e fuga | Anieli Nascimento/Gazeta do Povo
Daniel (nome fictício): crack aos 9 anos, lembranças confusas e fuga (Foto: Anieli Nascimento/Gazeta do Povo)
Veja como proceder em caso de criança com dependência química |

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Veja como proceder em caso de criança com dependência química

Veja distribuição de leitos psiquiátricos pelo estado do Paraná |

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Veja distribuição de leitos psiquiátricos pelo estado do Paraná

Os dados são escassos e os números do estado, ainda mais raros, porque os registros de atendimento são municipalizados. Mas um levantamento inédito de fichas, feito pela coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba a pedido da reportagem da Gazeta do Povo, dá uma ideia da ameaça que o crack representa para a infância. Na 1.ª Vara de Infância e Juventude de Curitiba, 60% dos casos de acolhimento institucional de crianças se deve ao uso de crack pelos pais. Nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) da capital há 67 pacientes com idade entre 11 e 15 anos em tratamento por causa da pedra – neste ano, um enquadrado na faixa de 8 a 10 anos deu entrada.

No Paraná, o único recorte possível é o dos 168 leitos psiquiátricos reservados ao internamento de meninos (90) e meninas (78). Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), esses leitos são usados, em sua maioria, por adolescentes de 15 a 17 anos com dependência do crack. Um perfil mais apurado da ala psiquiátrica do Hospital Universitário do Oeste do Paraná, em Cascavel, que possui 17 leitos, indica que, ao menos, 11 pacientes entre 10 e 12 anos passaram pela instituição neste ano – entre março de 2007 e março de 2009 foram nove nessa faixa etária. O levantamento, feito pelo enfermeiro da ala Sérgio de Arruda Dias, a acadêmica de Enfermagem da Unioeste Ângela Gonçalves da Silva e a professora da universidade Nelsi Salete Tonini, apontou o crack como o motivo mais frequente de internação, seguido da maconha.

Na Associação San Julian, em Piraquara, que atende Curitiba e região, a idade média é de 14 a 15 anos. O assistente social Wilsun José Gonçalves Araújo, coordenador da unidade de adolescentes, no entanto, diz que de 2009 para cá quatro pacientes de 12 anos passaram pela instituição. Segundo ele, o contato com a droga tem começado aos 7 anos. "Quando eles saem daqui, depois de uma internação que varia de 30 a 45 dias, têm dificuldade em dar seguimento ao tratamento e acabam voltando. São poucas cidades que têm o Caps 1, infantil (são três em Curitiba e sete em outras cidades grandes do estado) e nos outros centros (Caps 2 e AD, para dependentes químicos) não há equipes preparadas", afirma.

Vício

Nas clínicas e abrigos, as histórias são semelhantes: alguém da família é usuário e/ou traficante, o que torna a droga algo comum na vida da criança. Além disso, a ausência do pai e da mãe pode levar a uma rotina livre de cobranças e disciplina. Crianças mais velhas às vezes traficam e chamam os mais novos, que na esquina de casa ou no campinho de futebol são surpreendidos pela fissura quase imediata proporcionada pelo cachimbo do crack. Duas vezes, em média, são suficientes para viciar. O cérebro, ainda em estruturação e maturação, absorve as consequências.

"Entre os 5 e 7 anos de idade, o esboço do cérebro está formado para uma maturação que acontecerá até os 21 anos, mas a massa encefálica, que é o filtro do órgão, ainda não está totalmente formada, deixando o cérebro mais vulnerável do que na adolescência e na vida adulta", explica o psiquiatra Marcelo Ribeiro de Araújo, da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas do Departamento de Psi­quiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Bastam 5 segundos para o usuá­rio entrar em um estágio onde não há percepção do que está ao seu redor. Segundo o neurologista Maccleiton Gehlen, do Hospital Milton Muricy, a fuga do real transita para o quadro eufórico – com bem-estar e atenção –, mas dura muito pouco. Em 5 minutos, o usuário quer mais. Conforme Gehlen, não há relação necessária entre o tempo de uso e o vício. "Pode ser da primeira vez ou no prazo de semanas. Depende da suscetibilidade de cada pessoa."

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Leia até quinta-feira na Gazeta do Povo a continuidade dessa série de reportagens sobre cada um dos perfis de usuários do crack.

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