Opinião deles
Crianças falam o que sentem sobre distância
Em uma roda de bate-papo formada a pedido da reportagem da Gazeta do Povo no quintal do Lar Lisa, Leandro (nome fictício), 12 anos, e outras crianças lá acolhidas falaram sobre seus sentimentos em relação aos irmãos. A maioria esmagadora acha ruim ficar longe e traduz a sensação através de algumas palavras, pronunciadas timidamente, como "saudade" e "raiva".
Leandro, no entanto, lembra uma exceção: "Às vezes é bom ficar longe se o irmão escolhe um caminho ruim". Ele sabe do que está falando. Possui duas irmãs mais velhas que foram levadas a abrigos para adolescentes e, mais tarde, fugiram. Uma delas está envolvida com prostituição. Leandro também lembra que sozinho é mais fácil de ser adotado, expressando o desejo que isso ainda aconteça para ele.
O que as palavras não expressam, entretanto, é o cuidado contínuo de um irmão com o outro dentro da instituição. Durante a reportagem, vários momentos em que o irmão mais velho cuidava do mais novo que havia caído ou estava chorando. "É assim mesmo. Um cuida do outro", diz a psicóloga da instituição, Haryanna Lima Lobo.
Mais de 90 crianças e adolescentes abrigados no Paraná possuem irmãos em instituições diferentes e devem passar este Natal separados. O dado é de setembro e de um universo de apenas 83 das 289 entidades conveniadas à Secretaria de Estado da Criança e da Juventude (SECJ), mas já dá uma ideia do cenário existente. O quadro total no estado só será conhecido a partir de uma iniciativa do Conselho de Supervisão da Infância e da Juventude do Paraná.
Boa parte dessas crianças e adolescentes chega ainda pequenos aos abrigos e acaba crescendo ali, muitas vezes afastados dos irmãos. Esse é o caso de Fabiano (nome fictício), 17 anos, que chegou à Associação Cristã de Assistência Social (Acridas) com 5 anos de idade, junto com alguns dos nove irmãos, afastados da mãe por abandono. Após todo esse tempo sob o cuidado da instituição, parece que Fabiano terá um final feliz em breve. Ele chega à maioridade em janeiro e deixará a Acridas para viver com um dos irmãos, mas não exatamente como os dois tinham imaginado há dois meses.
Esse irmão está há meio ano sob os cuidados da madrinha. Com a convivência, ela não quer mais se separar do rapaz e a irmã dela está pensando em adotar Fabiano para mantê-los juntos. A festa de Natal deste ano será uma experiência para que os jovens possam ter, talvez pela primeira vez, uma família de verdade.
A não separação de irmãos é uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a nova Lei de Adoção, que modificou algumas partes do estatuto, reforçou mais o vínculo familiar ao demandar que as entidades reintegrem o jovem a sua família em um prazo máximo de dois anos. "É um divisor de águas. Muda o foco quando se vê a criança mais do que o serviço", afirma a coordenadora de ações protetivas da SECJ, Aline Pedrosa Fioravante.
Motivos
Na capital paranaense, de um universo de 991 abrigados, em novembro, 44 crianças e adolescentes possuíam irmãos em outras instituições, segundo a Central de Vagas da Fundação de Ação Social (FAS). Onze dessas crianças se separaram dos irmãos por engano judicial (a Justiça não identificou a tempo que a criança possuía um irmão na mesma situação e precisava ficar junto dele). As crianças nesses casos, segundo a assessoria de imprensa do órgão, serão reagrupadas nas próximas semanas.
As outras 33 estão afastadas por três razões: tratamento para dependência química de um dos irmãos (8); abuso e/ou violência entre irmãos (8); e diferença de sexo e idade (17), o que dificulta a estadia dos irmãos em uma mesma instituição. Isso ocorre porque muitas entidades atendem crianças, enquanto outras concentram seus esforços nos adolescentes. Se um dos irmãos atinge a adolescência dentro da instituição, ele tende a permanecer ali, mesmo estando fora da faixa etária de atendimento. "Muitas vezes, porém, esse adolescente precisa ir para um lugar mais apropriado, com uma equipe preparada para atendê-lo", explica a psicóloga Haryanna Lima Lobo, do Lar Lisa, entidade que atende preferencialmente grupos de irmãos em Curitiba.
Os motivos de separação de irmãos constatados no Paraná, segundo juízes e promotores da área da infância, são próximos do que acontece em Curitiba.
Dever
Independentemente de estarem ou não sob o mesmo teto, o vínculo entre irmãos deve ser mantido, segundo o coordenador do Centro de Apoio às Promotorias da Infância e da Juventude do Ministério Público do Paraná, Murillo José Digiácomo. Ele diz que é dever das entidades promover encontros entre os irmãos. "De maneira geral, o vínculo precisa ser mantido, com visitas entre as instituições ou mesmo fora, com os dois estudando no mesmo colégio, por exemplo. O que não pode haver é a quebra desse vínculo."
Muitas entidades alegam, no entanto, ter dificuldades financeiras para fazer isso. O coordenador da Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba, região metropolitana de Curitiba, Fernando de Gois, diz que a instituição faz questão de manter, ao menos, seis encontros anuais dos meninos com suas famílias um deles no Natal e que nem sempre conseguiu ir além disso por causa de dificuldades básicas, como a falta de veículos para fazer o transporte. Para Digiácomo, no entanto, essas dificuldades não são desculpa. "São entidades que não podem se sustentar só com dinheiro público e que precisam cumprir com as exigências legais, como a preservação do vínculo fraterno."
A promotora da Infância e da Juventude de Curitiba, Marília Vieira Frederico, diz que a Justiça também tem papel importantíssimo na manutenção do vínculo familiar. "Ocorre na prática hoje um esforço para manter os irmãos juntos. As entidades se conversam e buscam soluções, mas pode sim ocorrer um afastamento temporário. É um sistema humano, com suas dificuldades inerentes."
Na opinião de Aline, da SECJ, a separação de irmãos acontece com mais frequência em locais onde a rede de serviços é pouco articulada. "Hoje, há um novo olhar recaindo sobre as instituições. Não adianta achar que ao dar comida e uniforme resolve-se o problema. É preciso garantir uma família", afirma Aline. Um exemplo da dificuldade de articulação da rede está no fato de que os dados da SECJ usados nesta reportagem não eram conhecidos por juízes e promotores da área da Infância de Curitiba.
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