Além da microcefalia, o vírus zika provoca lesões oculares mais graves do que em outras doenças, causando danos irreversíveis à visão. A conclusão é de um grupo de médicos especialistas, que participou nesta segunda-feira (11) de uma avaliação de 55 crianças pernambucanas com suspeita de microcefalia.
O trabalho faz parte de um estudo inédito realizado por médicos da Fundação Altino Ventura (FAV), no Recife (PE), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“São problemas semelhantes aos causados por outros vírus, como sífilis, rubéola e citomegalovírus. No caso do zika tanto as ‘cicatrizes’ quanto os casos de pigmentação são muito mais agressivas do que as outras alterações já conhecidas na literatura”, afirma Camila Ventura, oftalmologista e coordenadora da pesquisa.
A pesquisa, fruto do desenvolvimento de uma tese de doutorado, foi publicada, na última sexta-feira (8), na revista científica britânica Lancet, uma das mais conceituadas na área.
O trabalho brasileiro identificou que o vírus zika é capaz de provocar quatro tipos de lesão em quatro regiões distintas do globo ocular. Além da mácula (área central da retina) e a coróide, que é responsável pela nutrição do olho, o agente infeccioso pode comprometer a retina e o nervo óptico.
Dos 50 bebês analisados, em 40 foram confirmadas a microcefalia, de acordo com os critérios da OMS (Organização Mundial de Saúde).
“Vimos que, desses 40 bebês, de 30% a 40% apresentaram algum desses problemas. É uma porcentagem alta, para se ter ideia temos um caso, por ano, de lesão ocular causado pela presença de rubéola”, diz a presidente da FAV, Liana Ventura.
O professor da Unifesp e orientador da tese, Maurício Maia, explica que essa primeira fase da pesquisa se preocupou em avaliar os danos causados pelo zika na anatomia do olho. “Ainda estamos buscando saber o real impacto na qualidade visual do paciente. Mas acredito que, no caso de uma atrofia na mácula, por exemplo, essa criança não tenha mais do que 3% da visão”, afirma.
Para Maia, o que deve ser feito é um estímulo “mais precoce possível” da visão dessas crianças. “É preciso estimular as áreas ao redor do centro do olho para que também capte as imagens. Em alguns casos poderá ser preciso usar óculos que ajudem nesse desvio da captação”, diz.
NOVA FASE
Conhecido desde 1947, o vírus zika foi pouco estudado e, por isso, apenas a Alemanha possui a sorologia capaz de identificar a presença do agente no corpo humano depois da fase aguda da infecção (primeiros cinco dias).
Na segunda etapa do estudo, os pesquisadores vão tentar provar cientificamente a transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho. Essa fase contará com a ajuda da filial do Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo, na Espanha.
De acordo com o professor, a próxima hipótese a ser confirmada é que a gravidade da infecção pelo zika é maior no primeiro trimestre de gestação e menor no último. “São nos primeiros três meses que nossos olhos são formados. Acreditamos que, nessa fase, o vírus cause danos mais graves, mais complexos. Entretanto, todos são preocupantes”, diz Maia.
As mães também tiveram o sangue analisado e os olhos examinados. No entanto, até o momento, não foram encontradas as lesões.
ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR
Ao todo, 79 crianças com suspeita de microcefalia foram atendidas em dois mutirões realizados pela FAV.
Para Susana Lima, 24, mãe de Wilian Gabriel, de um mês, a oportunidade é um alívio depois do susto do diagnóstico de microcefalia. “Não foi fácil descobrir no parto que meu filho tinha microcefalia. É muito bom saber que ele vai ter o acompanhamento completo, de qualidade e de graça”, diz a técnica de estética.
Pernambuco continua no topo do ranking de casos suspeitos de microcefalia no país. O último balanço divulgado pela Secretaria de Saúde de Pernambuco revelou que, até o dia 2 de janeiro, foram notificados 1.185 casos da anomalia.
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