As crianças não brincam de roda enquanto os brasileiros estão em vias de sair no braço. A pesquisadora de leitura e literatura infantil Elisa Dalla Bona, da UFPR, acompanha estágios de alunos de Pedagogia na capital. Os relatos são constantes: pequenos de 4-5 anos de idade falam das manifestações, às quais foram acompanhados dos pais. E das batucadas de panelas.
Pois para Elisa é melhor não fugir do assunto. Um menino ou menina que mal se inicia nas letras não tem condições de entender as mil e uma piruetas do Petrolão, mas não deve ser privado de lidar com aquilo que sente. O melhor caminho – assegura a estudiosa – é a literatura, pródiga em tratar do essencial: as diferenças, as fraquezas, os abandonos e tudo o mais que couber – não com essas palavras – no noticiário.
Para quem acha que não existe literatura que dê conta, Elisa oferece uma lista gorda de opções. Não é preciso roubar a infância das crianças tentando fazê-las entender o que seja um golpe ou um ato constitucional, até porque a ficção oferece outras palavras e imagens – bem mais sonoras – para dizer a mesma coisa. “A literatura tem sempre um discurso, um assunto escondido. Problematiza, mesmo na leveza. Está repleta de temas difíceis, por trás de sua aparente facilidade”, diz. E prova.
Na década de 1970, quando a população vivia no limbo dos direitos políticos, a literatura infantil teve seu boom, fazendo do país um marco. Basta lembrar de Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Sylvia Ortoff e Pedro Bandeira – para citar parte do time que despontou em meio à censura. “Esses autores não escreviam histórias com lição de moral, exploravam valores em meio ao conflito. O conflito existe e é positivo em qualquer ocasião”, lembra Elisa, sobre um patrimônio cultural que cada vez mais chama atenção. Houve resistência democrática nas entrelinhas das historietas ilustradas. E pequenos leitores tiveram reservado o direito de entender o tempo que viviam.
Que assim seja.
Dicas de leitura
Pesquisadora de literatura infantil, Elisa Dalla Bona sugere leituras que podem ajudar a tratar temas espinhosos com as crianças
A droga da obediência, de Pedro Bandeira
Lançado nos anos 1980, ainda no calor da ditadura, obra conta a aventura de cinco meninos – do bando Os Karas – que se aventuram para derrubar um plano internacional que visa controlar a mente das pessoas com uma droga. De tinturas políticas, obra vendeu 2,5 milhões de exemplares.
O reizinho mandão, de Ruth Rocha
Também escrita no final da ditadura militar, obra faz alegoria de um soberano que, de tanto calar seu povo, emudece as pessoas e mergulha num tédio profundo.
De morte, Ângela Lago
Com humor – e ajudada pelas gravuras de Dürer – autora fala do mais difícil dos temas, numa linguagem para os pequenos.
Guilherme Augusto de Araújo Fernandes, de Mem Fox
Vizinho de um asilo, menino descobre que velhos começam a esquecer o que viveram. Com a ajuda de objetos vai reconduzi-los às lembranças.
Agora não Bernardo, de David McKee
Divertida alegoria sobre os pais que não têm tempo para seus filhos. Longe dos olhos deles, menino é devorado por um monstro, que passa a viver junto à família, sem que ninguém se dê conta.
Obax, de André Neves
Menina negra, dona de extraordinária capacidade de imaginar, é ignorada pelos adultos. Até que passa a contar histórias fantasiosas e engraçadas, levando todos às gargalhadas.
Um pipi choveu aqui, da Sylvia Orthof
Fábula sobre a intolerância e o autoritarismo, mostra como um simples pedido à professora, para ir ao banheiro, pode se tornar numa lição. Pedro Pedroca, o personagem, urina nas calças, por culpa da professora. Mas vai dar o troco.
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