
Manifesto: "Com licença, queremos passar"
O poeta Carlos Drummond de Andrade já alertava, na crônica Direito de ir e vir, em 1982: "Vamos trabalhar pela afirmação (ou reafirmação) da existência do pedestre, a mais antiga qualificação humana do mundo. Da existência e dos direitos que lhe são próprios, tão simples, tão naturais, e que se condensam num só: o direito de andar, de ir e vir, previsto em todas as constituições". Ele apontava ser impossível obedecer a uma recomendação médica, a de praticar caminhadas. Atividade impossível, por causa da má qualidade das calçadas e do trânsito. A crônica é um protesto a favor do "mais humilde e o mais desprezado de todos os direitos do homem", e que ainda hoje é destratado. Apesar do alerta do poeta, a situação só piorou de lá para cá. Antes problema das grandes cidades, o ocaso se espalha também pelo interior.
Goioerê e Ponta Grossa - Denúncias de pedestres e a omissão do setor de fiscalização da prefeitura de Goioerê, na Região Centro-Oeste do estado, levaram a promotoria de Justiça a solicitar à Polícia Civil uma investigação para apurar responsabilidades quanto ao uso inadequado das calçadas, principalmente por parte de comerciantes. Eles estariam ocupando espaço público para fins comerciais. Os proprietários serão identificados e intimados a prestar depoimentos para averiguar indícios de riscos a terceiros e de danos pela ocupação indevida das calçadas. "Vamos exigir dos proprietários a autorização para o rebaixamento das guias das calçadas, colocar no processo e encaminhar ao Ministério Público", lembra o delegado da Polícia Civil Edson Rosa.
O pedestre que tenta andar pelas calçadas do pequeno município encontra de tudo, menos espaço para caminhar. São móveis dos mais diversos modelos, caixas com melancias e pepinos, gaiolas com pássaros, rolos de arame farpado, enxadas e implementos agrícolas, tudo à venda. Carroças estacionadas, entulhos, carcaças de carros velhos, carrinhos de cachorro-quente, placas e automóveis também são facilmente encontrados. Para complicar ainda mais o cenário e a locomoção dos pedestres, algumas lojas colocam estandes com produtos e funcionários para trabalhar do lado de fora, no espaço destinado aos pedestres. O cliente não precisa nem mesmo entrar na loja para fechar o contrato de compra da mercadoria.
"Em breve vamos ter de andar na rua, pois a loja estará usando toda a calçada", reclama o mecânico Odair Ribeiro de Andrade, de 52 anos. Como forma de protesto, ele não compra em estabelecimentos com "hábitos abusados". "Sequer entro em lojas que depositam de tudo em cima das calçadas. Se os comerciantes não respeitam nosso espaço, o que eles vão respeitar?", indaga Andrade.
Poder público
No Fórum, a situação não foge à regra. As calçadas com guias rebaixadas são utilizadas por proprietários de veículos. "Quem for flagrado com carro em cima das calçadas ou com mercadorias será penalizado com os rigores da lei", enfatiza a promotora Maria Sonia Freire Garcia. Segundo ela, o pedido para abertura de inquéritos foi necessário após a omissão da prefeitura. "Foi marcada uma reunião para tratar do assunto, mas faltou espaço na agenda. Se o município fiscalizasse, esse caso nem deveria estar no Fórum".
Para a prefeitura, a ocupação das calçadas é um problema antigo na cidade. "As guias rebaixadas são feitas na calada da noite e a fiscalização é leve. O município está envolvido em outras prioridades", lembra a assessoria de imprensa da prefeitura.
Conforme o Código de Postura do município, as calçadas devem ter 2,5 metros de largura e a área de passeio, 1,2 metro. Ainda de acordo com a assessoria, a prefeitura está realizando campanhas para conscientizar os comerciantes.
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