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A dona de casa Verônica Pfister foge da casa de familiares, onde está abrigada, para tentar encontrar os corpos dos filhos em delegacia de Teresópolis | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
A dona de casa Verônica Pfister foge da casa de familiares, onde está abrigada, para tentar encontrar os corpos dos filhos em delegacia de Teresópolis| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
  • Veja o número de mortos e desabrigados na região serrana do RJ

Passado o período de atendimento emergencial às vítimas da tragédia na região serrana do Rio de Ja­­neiro, outro drama se revela em meio aos escombros das cidades afetadas: o trauma psicológico que se manifesta nos sobreviventes. Quando se perde tudo, inclusive os familiares, também se vão as referências de vida, a própria identidade. Sem vontade para recomeçar, a vida muitas vezes fica presa ao passado sombrio.

Antes de começar uma nova vida, a dona de casa Verônica Du­­tra de Paiva Pfister, 29 anos, quer terminar a sua história. Ela perdeu a casa e os quatro filhos e diz que só lutou para sobreviver porque ti­­nha esperança em encontrar uma das crianças vivas. Aguentou firme ao ser arrastada pela água por uma distância de dois quilômetros e agarrou-se a um bambuzal quando pôde alcançá-lo. Sobreviveu, mas mal sabia ela que, em terra, o esforço teria de ser maior.

Verônica viu a mãe chorando desesperadamente e ouviu: "Ainda bem que sobrou tu". A partir do momento em que soube da morte de todos os filhos, a obsessão de Verônica passou a ser encontrar os corpos e dar um enterro digno a eles. Tanto que ela chega a fugir da casa da cunhada, onde está vivendo, para ir até a delegacia em busca de informações. "Não sei como recomeçar a vida não", diz. "Estou aguentando porque quero achar todos os corpos. Depois eu não sei como vou aguentar."

Não há estudos que apontem por quanto tempo as vítimas de grandes tragédias apresentam esse tipo de reação, dizem especialistas ouvidos pela reportagem. Dados internacionais mostram que 40% da população que passa por tragédias acaba desenvolvendo sequelas. No tsunami que atingiu o Ocea­­­­no Índico, em 2004, por exem­­plo, 39% das vítimas seguiram com os sintomas por pelo menos um ano.

"Só a partir do momento em que começar a elaborar o luto de suas perdas e ter contato com a realidade é que a vítima consegue perceber que tem um futuro", afirma o psicólogo especialista em transtorno de estresse pós-traumático em desastres Othon Vieira Neto. Ele, que está no Rio de Janeiro e atuou no amparo psicológico às vítimas das chuvas em Santa Cata­­rina em 2008, afirma que o atendimento psicológico é a principal forma de barrar a evolução do problema. "Nosso papel não é evitar a dor, mas evitar que ela se transforme em doença e fazer com que as pessoas percebam que o sofrimento é suportável, que elas são capazes de sobreviver a isso", explica.

A aceitação da realidade oscila entre as vítimas. Se não tratado ade­­quadamente, esse quadro po­­de evoluir para doenças graves causadas pelo estresse da tragédia, como depressão, síndrome do pânico e ataques de medo. A principal patologia é o transtorno de estresse pós-traumático, em que a lembrança do fato torna-se constante e a vítima é acometida por um medo incontrolável de que tudo aconteça novamente.

Verônica confessa que seu ma­­rido tem medo de que ela queira se matar. A dona de casa diz que está encontrando forças com parentes e amigos e a vontade de dar um enterro digno aos filhos faz com que ela se segure firme. "Depois que encontrar os corpos vou saber o que fazer da minha vida", diz.

A busca pelos filhos

Os corpos do filho Hiago, 11 anos, e do sobrinho José Vitor, 9 anos, que também estava na casa dela no momento da tragédia, fo­­ram localizados nos primeiros dias após o temporal. O corpo da filha Caro­line, 6 anos, levou uma semana para ser encontrado e foi reconhecido através do brinco que a menina usava, presente de Natal da mãe. "Eu vi a foto do corpo para o reconhecimento e ele estava cheio de lagarta", conta Verônica, sem choro, num rosto sem expressão.

Agora, falta encontrar o corpo de Hiasmim, que faria 10 anos no último dia 13 e "só queria um alicate de unha, dois esmaltes e um tênis" de presente. A mãe tam­­bém está em busca do caçula, Cauã, 1 ano, que ainda ma­­mava no peito e ela se­­gurou nos braços enquanto pôde. Os dois foram jogados pela correnteza e a criança bateu em uma viga. "Vi que ele já tinha morrido no meu colo."

"Nossa vida era muito perfeita e feliz. Tudo na nossa casa era no­­vo. Tudo o que os filhos queriam a gente dava", lembra Verônica. Ho­­je, ela e o marido, que tinha ido tra­­balhar e ficou sem ter como voltar para a casa na noite da tragédia, contam com o apoio um do outro e de familiares. "Para nós só sobraram tristeza e dívida."

Com acompanhamento adequado, no entanto, especialistas garantem que toda essa situação pode se reverter em uma perspectiva de futuro. "É trágico, mas tem como superar", diz o psicólogo Luiz Monteiro, coordenador pedagógico nacional de Psicologia da Universidade Estácio de Sá.

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