Um estudo publicado recentemente nos Estados Unidos aponta que a legalização da maconha está tornando os usuários da droga que já são pobres ainda mais pobres. Desenvolvida por Jonathan Caulkins, da Carnegie Mellon University, e Steven Davenporth, da Rand Corporation, a pesquisa intitulada “Evolution of the United States: Marijuana Market in the Decade of Liberalization Before Full Legalization” avalia o comportamento do mercado da droga ao longo de dez anos após a liberação para uso recreativo.
A aceitação cultural da maconha, conforme o estudo, divulgado pelo New York Post, não estaria afetando o público que faz parte do estereótipo de consumidor da droga – “culto e bem de vida”, mas sim a classe mais baixa. Nos Estados Unidos, os usuários considerados “pesados” ficam atrás da média nacional em termos de renda e escolaridade.
A tese de Caulkins e Davenporth tem base em alguns números. A começar pelo percentual de pessoas com renda familiar abaixo de 20 mil dólares por ano no país. Elas compreendem 19% da população americana, mas constituem 28% dos usuários de maconha. As pessoas com renda familiar acima de 75 mil dólares por ano representam 33% da população. Deste total, 25% são usuárias de maconha.
Quando o assunto é a educação, a pesquisa mostra que quanto maior o nível de escolaridade, menor a probabilidade de ser usuário. No universo de 27% da população com curso superior, apenas 19% são usuários de maconha.
O estudo considera que a classe mais pobre, além de ser a maior consumidora, estaria gastando a maior parte de sua renda com o hábito de fumar maconha. Quase um terço dos usuários gastam 10% do salário com maconha. Outros 15% direcionam 25% dos rendimentos para a droga. Essa utilização, além de ser maior entre os mais pobres, estaria deixando esses usuários mais irresponsáveis e com uma condição financeira pior.
Comparativo
O historiador Jean Marcel Carvalho França, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), autor do livro “História da Maconha no Brasil”, concorda que a incidência do consumo sobre os salários dos mais pobres pode contribuir para dificultar sua ascensão econômica. “Com o salário menor comprometido, eles iriam progredir menos. É um gênero de pesquisa muito bom, pouco usado no Brasil. Me parece bem plausível”, analisa.
Apesar disso, França acredita que, no Brasil, o consumo de álcool ainda supere o da maconha e que este tipo de cálculo por aqui poderia não ter o mesmo efeito em relação à cannabis. “A população, sobretudo nas universidades públicas, tem muito acesso à maconha, mas, ainda assim, o consumo de álcool é maior. Um exemplo disso são os problemas gravíssimos que temos envolvendo o álcool em festas de estudantes”, comenta ele, que acredita que, no país, a discussão sobre a legalização da maconha é mais moral do que científica. “É uma decisão que precisa partir da sociedade, não do Supremo Tribunal Federal”, diz.
Para o sociólogo Cézar Bueno de Lima, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ainda é muito difícil traçar o perfil dos usuários de maconha no Brasil, da forma como foi apresentado na pesquisa norte-americana. Ainda mais porque o brasileiro lida com um mercado clandestino. “É um quadro muito heterogêneo. Sabemos que, independente de termos o uso legalizado, a juventude sabe onde encontrar e vem consumindo mais do que as instituições de controle imaginam”, avalia.
Impacto socia
Na opinião do psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD), Dartiu Xavier, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a legalização da maconha no Brasil também poderia trazer impactos sobre a classe mais pobre. No entanto, isso ocorreria, a seu ver, mais de uma maneira social do que econômica. “Nas nossas prisões, temos muitos presos que são usuários e não traficantes”, argumenta. Xavier pontua que, embora o usuário no país pertença a todas as classes e faixas etárias, a penalização ocorre junto a pobres e negros.
A irresponsabilidade entre os usuários pobres, citada na pesquisa, é vista pelo professor de Criminologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Juarez Cirino, com ceticismo. “É uma teoria vulgar. Compreendo que algumas teorias se colocam no conflito universal entre continuar com a proibição ou abolir a proibição”, comenta. Para Cirino, é evidente que usuários com salários menores destinarão mais renda para a droga do que usuários de classes mais altas, considerando que, ambos, consomem maconha vendida pelo mesmo preço.
Ainda de acordo com o estudo de Davenporth e Caulkins, as taxas de uso de maconha diária ou quase diariamente aumentaram de uma em nove pessoas, em 1992, nos Estados Unidos, para uma em três, em 2013.