• Carregando...
Ficha da prisão de Sônia Hadad Hernandes, divulgada pela polícia de Palm Beach, nos EUA | Divulgação/Polícia de Plam Beach
Ficha da prisão de Sônia Hadad Hernandes, divulgada pela polícia de Palm Beach, nos EUA| Foto: Divulgação/Polícia de Plam Beach

Houve uma ocasião em que o arquiteto Osvaldo Navarro Alves, 62 anos, chegou em casa e encontrou um ônibus de excursão na porta, uma leva de crianças bebendo água na torneira do quintal e alguns adultos batendo o pé com impaciência. "Pô, a que horas vai abrir a Universidade do Meio Ambiente?", perguntou um deles para o recém-chegado. Alves achou graça, mostrou o caminho da roça para os turistas acidentais e foi se acostumando com a idéia. Outras visitas viriam alterar a rotina desse que é um dos únicos moradores da cidade cuja residência é assediada por públicos tão diversos como estudantes curiosos e pesquisadores de alto coturno. Não por menos.

Foi há 27 anos que Navarro deu de cara com o bosque que iria mudar sua vida. Eram seis mil metros quadrados de mata secundária (área verde que se recuperou depois do corte da vegetação) no Pilarzinho, um riacho e 25 metros de desnível. Fundo de vale, a ribanceira estava protegida por lei municipal. Construir ali equivalia a cumprir exigência atrás de exigência, devoção à natureza e cérebro de professor Pardal. Afinal, erguer uma casa em condições tão adversas pedia mais do que madureza nos cálculos. Mas que nada – o terreno tinha encontrado o seu dono.

Uma das primeiras medidas de Navarro foi o próprio projeto da residência – com 300 metros quadrados, 5% da área total. Os especialistras babaram e passaram a chamá-la de exemplo máximo de arquitetura orgânica, sem que o arquiteto tivesse pensando exatamente em polemizar. Sua preocupação era mais prática: o concreto teria de se adaptar à natureza e não vice-versa. Conseguiu. A maquete ainda está à vista para quem quiser conferir os vãos inacreditáveis de parede, criados anarquicamente para garantir a sobrevivência do maior número possível de árvores. "Já pensou derrubar uma aroeira de cem anos? Não dá."

Assim se fez. O resto veio no embalo. Usando troncos de eucalipto, pedras outrora usadas na pavimentação das ruas e imaginação, o arquiteto criou uma das residências mais originais da cidade – uma casa viva, onde o mato entra sem pedir licença. "Tenho impressão que ele não mata nem aranha", brinca o arquiteto Irã Dudeque, que fez as honras à invenção de Navarro no livro Espirais de Madeira. "Olha essa pedra. Já pensou quanta gente pisou nisso. Quer ver o casal de coruja?", pergunta o autor da proeza, numa atitude de curiosidade que se repete em qualquer canto e lugar.

Navarro, a mulher Maria José e, em outros tempos, os três filhos não encontraram dificuldades na selva. A morada é uma extensão dos hábitos da família, aficionada em pescarias e acampamentos. Tanto é que decidiram deixar o verde por perto. Basta cruzar a porta principal e se ver, ora essa, dentro de um pequeno trecho de mata – mata de dentro, como chamam. "Toda a casa foi pensada a partir desse tronco e desse jardim interior", explica Osvaldo.

As paredes são de reboco de massa baiana, ondulada, à maneira de antigas construções coloniais; a luz da pequena floresta foi aproveitada e – o mais sensacional – tudo vai ficando do jeito que o arvoredo manda. É o síndico. "O musgo vai colorindo a madeira. A gente não mexe", avisa Navarro, enquanto mostra a varanda dos fundos onde jacus, gralhas, tucanos, saracuras e outros bichos circulam e se alimentam na casa da mãe Joana. Para não afugentá-los, Osvaldo os fotografa com um dispositivo feito com metal de freio de bicicleta. E para evitar saltos suicidas nas vidraças, aves desenhadas em papel adesivo foram recortadas e coladas na superfície transparente. "E não é que funciona", surpreende-se.

Lá fora, idem – tudo ao sabor do vento. Nada é carpido, para que a submata, com plantas menores, garanta que o terreno não será erodido. E dá-lhe estudar as espécies que brotam do chão. Ele lista – pitanga, guabiroba, sassafrás, cereja nativa... "Com gralha agora tem mais pinheiro. Não é preciso fazer nada. É só observar", explica. Dá para ver o milagre. Os galhos de árvores entram pelas áreas construídas, ou estão pelo chão, a serviço da terra, completando a paisagem que conduz a um lago de peixes e a um pequeno afluente do Rio Belém. Isso tudo, a alguns metros da lombada eletrônica da Avenida Mateus Leme. Contando, ninguém acredita.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]