Mortes mudam rotina na escola
Ao ouvir a porta de um caminhão de bebidas fechando, Maria (nome fictício) leva um susto. "Menina, vivo assim todo o dia", diz. Depressiva, toma remédio diariamente. Depois da chacina do último sábado, sua vida está entre o medo e a obrigação. Inspetora de alunos em uma das cinco escolas do bairro, conhecia algumas das pessoas que foram mortas. É a última a sair da escola, por volta das 23 horas, e mesmo morando há poucas quadras do trabalho sente o coração "na boca" cada vez que precisa sair. "Na escola me sinto muito segura, mas a vida nunca mais vai ser igual".
Delazari pode ser convocado
A bancada de oposição ao governador Roberto Requião (PMDB) na Assembleia Legislativa encontrou uma alternativa no regimento interno da Casa e apresentou ontem um novo requerimento de convocação do secretário estadual da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari. No total, 31 deputados assinaram o documento entre eles, sete do PMDB. Apesar de a oposição confiar na aprovação do pedido, se os peemedebistas recuarem, a convocação pode ser novamente negada.
A chacina do último sábado, quando oito pessoas foram mortas no Bolsão Audi-União, no bairro Uberaba, em Curitiba, deixou com medo os moradores que serão beneficiados por um programa habitacional. Para as próximas semanas está prevista a entrega de casas no conjunto União Ferroviária, feito a partir de uma parceria entre a prefeitura de Curitiba e o governo federal. O conjunto faz limite com o Jardim União e com a Vila Icaraí. Segundo a polícia, a chacina foi motivada pela morte de um sobrinho do chefe do tráfico na região. Traficantes da Vila Icaraí teriam matado moradores do Jardim União.
Uma diarista que vive na Vila Icaraí e que se inscreveu para morar na União Ferroviária teme pela segurança de seus filhos. Mesmo vivendo em situação de miséria, ela prefere continuar na casa em que mora há 18 anos. "Tenho medo de morrer", diz, com lágrimas nos olhos. Todos os dias ela anda pela linha do trem para buscar o filho de 9 anos, que estuda na escola municipal Maria Marli Piovesan, e volta olhando para trás. O motivo é o boato de que a Vila Icaraí será invadida em represália ao crime. Quando sai para trabalhar, ela deixa quatro filhos e uma neta. "Saio com o coração apertadinho", comenta.
Joelma (nome fictício) é outra moradora que se diz insegura para trocar seu barraco pela casa de material. "Será que vale a pena arriscar a vida?", pergunta. Ontem à tarde, três carros da Polícia Militar, um da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone) e um da Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam) circulavam pelas ruas da Vila Icaraí. Enquanto isso, as casas coloridas aguardam seus novos donos.
Limite
Do outro lado, no Jardim União, o clima estava mais ameno ontem: vendedores ofereciam verduras e pães na rua, enquanto adolescentes jogavam na praça do bairro. Os moradores percebiam a presença maciça da polícia, com sete viaturas, além de dois grupos da cavalaria montada, mas temem a retirada do policiamento. Há três anos no local, o dono de um estabelecimento comercial na rua principal mora deixou Foz do Iguaçu pensando em sossego. "Que engano!", lamenta. Na sua opinião, para resolver a insegurança só mantendo uma viatura permanentemente no bairro.
Marcos (nome fictício), dono de uma loja no Jardim União, diz que o comércio parou. "Com a chacina, estragou tudo. Não tem mais para quem vender", diz. Ele conta que comprou tinta para pintar o estabelecimento e que, quando o entregador chegou, já foi avisando: "Aqui não venho mais".
As crianças também sentem a diferença. Se antes brincavam na rua, agora os limites impostos pelos pais são seguidos à risca. A fala rápida e o jeito agitado de Gabriela (nome fictício), 9 anos, ilustra bem o temor. Às 17 horas as crianças vão embora da escola e ficam em casa. "Quem vai para a igreja agora tem que ir cedo. E nada de ficar na rua".
Sem avanços
Enquanto o medo toma conta do Bolsão Audi-União, as investigações para identitificar os autores da chacina avançam pouco. Até a noite de ontem, quatro dias depois do crime, apenas um homem havia sido detido como suspeito. Ele tem 31 anos e já teria apresentado um álibi. "Ele estava trabalhando no momento do crime. É motoboy em uma pizzaria", diz o advogado Eduardo Mileo, que defende o suspeito. "A pedido da defesa, os proprietários da pizzaria prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios, confirmando que ele estava lá e forneceram, inclusive, todo o itinerário percorrido por ele nas entregas."
Segundo Mileo, a polícia chegou ao rapaz devido ao apelido de Neguinho. "Esse apelido apareceu nos autos por meio de Narcodenúncia. Só que o nome, a idade e o perfil da idade não batem com os do meu cliente. Em comum só há o apelido", afirma Mileo, que já entrou com pedido de habeas corpus. O suspeito cumpre pena alternativa por porte ilegal de arma e mora no Jardim Acrópole, no bairro do Cajuru.
O delegado Hamilton da Paz, titular da Delegacia de Homicídios, comunicou que não poderia responder sobre o caso. Segundo o superintendente da delegacia, Odemar Klein, todos os dias têm sido feitas de cinco a dez denúncias. Seis suspeitos já estariam identificados e outros quatro podem ter envolvimento com o crime.
Colaboraram Jorge Olavo e Themys Cabral
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