Fatores externos dificultam diagnóstico

Bruna Komarchesqui

O psiquiatra Élio Luiz Mauer, diretor da clínica Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida (Uniica) e professor da UFPR, detalha que entre 0,5% e 1% da população sofre de esquizofrenia, mas outros quadros psicóticos têm incidência bem maior. "Há uma tendência de que a qualquer comportamento diferente, imediatamente se faça o diagnóstico de esquizofrenia. Mas há uma série de situações e quadros clínicos emocionais importantes que podem estar por trás de um fato como esse, como o uso de drogas", detalha.

Ele analisa que, no caso da professora de Matinhos e do cineasta carioca, os responsáveis pelas mortes estavam sob influência de alterações psíquicas importantes, como alucinações e delírios, que genericamente poderiam ser chamados de psicose. "São delírios de natureza persecutória, em que a pessoa tem o comportamento de se defender, de proteger." O acesso livre a instrumentos cortantes e perigosos, para Mauer, é a evidência de que os pacientes não estavam sendo adequadamente acompanhados. "A família teria sido orientada a eliminar esses objetos. É preciso que a família tenha noção do que está acontecendo", diz.

CARREGANDO :)

Falta de acompanhamento aumenta chances de tragédias

Bruna Komarchesqui

A semelhança nas circunstâncias da morte da professora Jussara Araújo e do cineasta Eduardo Coutinho, há uma semana, no Rio de Janeiro, chama a atenção para as falhas no tratamento de transtornos psicológicos graves, como a esquizofrenia, no Brasil. Em ambos os casos, o filho em surto – supostamente esquizofrênico – foi o responsável pelas mortes por esfaqueamento. As dificuldades de diagnóstico e, sobretudo, a falta de estrutura de atendimento são o estopim desse tipo de tragédia, segundo especialistas.

O professor de terapia ocupacional da UFPR Luís Felipe Ferro, que atua na área de saúde mental, defende que, se houvesse um acompanhamento realmente próximo da família a partir do diagnóstico, as chances de se chegar a um momento de crise seriam mais escassas. "Esse é o ‘nó’ da coisa toda. Uma mãe aqui de Curitiba, que é usuária do serviço de saúde mental, foi procurar ajuda para o filho que tem problemas com drogas. Desesperada, ela foi informada de que teria atendimento em até três meses. Como falar em atendimento próximo assim?", exemplifica.

Segundo Ferro, muito dificilmente surtos aparecem de uma hora para a outra. O paciente vai dando sinais, ficando mais agitado, a pele muda de coloração e tende a ficar mais oleosa. "São coisas que a família e os profissionais vão percebendo. Se há um olhar próximo, já internam a pessoa para observação, depois encaminham ao Caps [Centro de Atenção Psicossocial] até o quadro ficar estável", explica.

Publicidade

O velório da professora da UFPR Litoral, Jussara Rezende Araújo, foi marcado por muita comoção de alunos e professores, no centro cultural do campus em Matinhos, no litoral do estado, na tarde desta terça-feira (11). A professora foi morta a facadas na noite de segunda-feira (10) pelo filho. O homem tem esquizofrenia e o crime teria ocorrido enquanto Jussara tentava medica-lo.

O corpo da professora será enterrado em Londrina, no Norte do Paraná, na quarta-feira (12). O horário do sepultamento ainda não foi definido. A família de Jussara vive no interior do estado.

A morte da professora chocou os moradores da cidade. A professora da UFPR Litoral tinha uma vida tranqüila, segundo colegas da universidade. Os vizinhos de Jussara custam a acreditar na tragédia. Segundo eles, brigas com o filho, de 29 anos, aconteciam, mas não eram recorrentes. A morte de Jussara deixa a comunidade acadêmica do estado do Paraná de luto.

Jornalista formada pela Universidade Estadual de Londrina com doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, desde junho do ano passado estava à frente da coordenação do curso de Licenciatura em Artes da Universidade Federal do Paraná do Litoral (UFPR Litoral).

Trabalhando na praia desde 2007, de acordo com a colega de trabalho e vice-coordenadora do curso, Ana Elisa de Castro Freitas, Jussara tem a trajetória de uma mulher que foi marcada por um ideal do século 20. "Quando ela veio para o litoral, veio com uma enorme expectativa e entusiasmo com o projeto político-pedagógico", afirma.

Publicidade

Ainda de acordo com a vice-coordenadora, Jussara tinha um compromisso com a linguagem e com a comunicação, "A partir de uma licenciatura poderia se ter espaço para novas linguagens. Aí se fundia a produção com a inclusão, e trabalhar a arte educação nesse percurso", destaca Ana Elisa.

Autor do crime

O autor do crime, filho da vítima, foi identificado como Matheus Araújo Bertone, 29 anos. Ele está preso após confessar ter matado a mãe alegando que cometeu o crime "para se defender". A residência dos dois, onde aconteceu o crime, fica na Avenida Guarapuava, a poucas quadras do campus da UFPR Litoral, onde Jussara trabalhava.

O delegado responsável pela Operação Verão 2013/2014, Alcimar Garret, conta que a princípio Matheus estava em meio a uma crise quando aconteceu o crime. "Ele tem um histórico de esquizofrenia e ficou quatro meses sem ir às sessões e sem tomar remédios. Ele então acabou entrando em crise e em luta corporal com a mãe, quando desferiu os golpes de faca."

Segundo Garret, pelas informações levantadas até o momento, apenas mãe e filho estavam em casa na hora em que aconteceu o crime.

Publicidade

Matheus está preso em uma sala isolada da Delegacia de Matinhos e aparentemente tranquilo, segundo o delegado. Após uma avaliação médica, o mais provável, conforme Garret, é que seja solicitada a transferência dele ao Complexo Médico Penal, para tratamento psiquiátrico.

Inclusão

Em nota divulgada no site da UFPR Litoral, Ana Elisa destacou que a produção acadêmica de Jussara enfatizou temáticas de inclusão, mas estava enfocando novas abordagens. "Ultimamente Jussara atuava na direção de projetos que se abriam para o campo da inclusão. Acreditava estarmos vivendo o nascimento de paradigmas mais positivos, que buscam o equilíbrio do planeta e mais harmonia entre os seres humanos. Seus projetos recentes apontavam que a arte-educação na perspectiva interdisciplinar proporcionava a formação mais significativa do estudante como sujeito da sua escrita histórica e social", diz. Ana Elisa destaca que tanto ela quanto os alunos estão muito chocados com a morte da colega e que os alunos estão mobilizados. "A gente sente muito, é uma perda muito grande para o setor, para o Paraná. Os alunos estão muito chocados, estão mobilizados, estão me apoiando para que não percamos os rumos que temos no curso", afirma.

Segundo a vice-coordenadora, Jussara tinha uma ligação muito intensa com a comunidade de Morretes. "Ela tinha uma relação muito forte com as escolas rurais de Morretes. Ela via que os jovens daquele município tinha uma bagagem diferente, uma vivencia ambiental diferenciada que os jovens da periferia de uma região urbana não tinham", destaca. O currículo lattes de Jussara, atualizado no dia de sua morte (10), traz informações sobre a sua atuação como repórter e jornalista no período 1973-89, em que entrevistou personalidades históricas e sociais, e editou e colaborou na edição de revistas e jornais da chamada Imprensa Nanica, entre outros veículos de comunicação de massa. A coordenadora também foi militante política em partidos de oposição ao Regime Militar, neste período, foi perseguida por lideranças expressivas da história política paranaense e brasileira.