O Ministério Público do Paraná (MP-PR) recomendou, nesta sexta-feira (6), que a Câmara Municipal de Apucarana, no Norte do estado, não aprove a chamada "Lei do Pai Nosso", que obriga estudantes da rede municipal de ensino a rezarem a oração Pai Nosso no início das primeiras aulas de cada período. O MP também instaurou inquérito civil para investigar o caso, alegando a inconstitucionalidade da nova lei.
De acordo com a Promotoria de Justiça de Apucarana, o projeto fere a Constituição Federal, "que garante liberdade de consciência, crença e culto", segundo o MP. Na opinião do promotor de Justiça André Luis Bortolini, responsável pelo inquérito, a "Lei do Pai Nosso" não respeita a laicidade do Estado, que exige respeito a todos os credos. "O poder público deve manter-se independente em relação aos cultos religiosos ou igrejas, protegendo e garantindo o livre exercício de todas as religiões", diz o promotor em trecho de uma nota divulgada pelo Ministério Público nesta sexta-feira.
Além da recomendação administrativa, os promotores devem ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) caso o projeto vire, de fato, lei.
Votação adiada
O projeto de lei que pretende instituir a oração diária do Pai Nosso em todas as escolas da rede municipal de Apucarana teve a votação em segundo turno adiada na última segunda-feira (2). A proposta, de autoria do vereador José Airton Araújo (PR), seria analisada na noite de segunda ainda, mas um pedido de vistas ao projeto feito pelo vereador Carmelo de Souza Ribeiro (PR) prorrogou a discussão para a próxima semana.
Durante a sessão, houve bate-boca entre os parlamentares após Ribeiro dizer que a proposta seria inconstitucional. A proposta de obrigar os alunos a rezarem o Pai-Nosso em Apucarana antes das aulas, se aprovada pelos vereadores e sancionada pela prefeitura, deve contrariar a orientação religiosa de cerca de 5% da população da cidade.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o município tem cerca de 120 mil habitantes e, aproximadamente, 6 mil deles não são cristãos. Os números são da amostra sobre religiosidade do Censo Demográfico de 2010, divulgados na semana anterior pelo IBGE.
Na prática, isso significa que uma parcela da população não tem a oração do Pai Nosso como um ritual religioso. Esse cálculo considera como pessoas não necessariamente cristãs as pessoas que se declararam sem religião ou que seguem tradições religiosas orientais e africanas, por exemplo.
Violência
O vereador José Airton Araújo (PR), autor do projeto de lei polêmico, argumenta que a ideia reduziria os índices de violência e os casos de agressões de alunos contra professores. "Com uma oração, a criança já entra na sala de aula mais tranquila", justificou o parlamentar, em entrevista à Agência Brasil.
Localizada na região Norte do Paraná, a 370 quilômetros de Curitiba, Apucarana tem 11 vereadores. O regimento do Legislativo municipal prevê três votações para um projeto ser aprovado. A reportagem da Agência Brasil apurou que, desde 2009, há uma lei sobre o mesmo tema em vigor na cidade. A legislação, porém, parece ser desconhecida pela maioria da população da cidade e não vem sendo cumprida.
Trata-se da Lei Municipal 217/2009, que obriga os professores da rede municipal a ministrar, em sala de aula, a leitura diária de um trecho da Bíblia, de livre escolha, seguida de uma oração. A lei também é de autoria do vereador José Airton. "Essa lei só existe no papel", diz Clotilde Corrêa Gomes, professora de inglês e português em Apucarana. Outras pessoas ouvidas pela reportagem também revelaram que nem sequer tinham conhecimento acerca da lei em vigor.
Questionado, Araújo negou que a norma esteja sendo ignorada. Em defesa de seu novo projeto, o parlamentar, que é membro da igreja Assembleia de Deus, elogia o conteúdo da oração especificada em sua proposta. "A oração do Pai Nosso é universal, não é só dos católicos e evangélicos", alega José Airton. "Ela é perfeita, um testemunho de vida em cada palavra."