O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) investiga diversas irregularidades apontadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) num contrato de mais de R$ 17 milhões entre a Petrobras e a Unirio. Documentos a que O Globo teve acesso revelam que seis professores de dedicação exclusiva da universidade recebiam também como pesquisadores-bolsistas e sócios de empresas subcontratadas sem licitação, faturando quase R$ 10 milhões. Há um ano, o Tribunal de Contas da União publicou acórdão determinando que a Unirio informasse como ressarciria os danos ao erário.

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Em seu último despacho à frente do caso, o hoje procurador-chefe do MPF-RJ, Lauro Coelho Junior, destacou que “ há elementos suficientes nos autos (...) a evidenciar a prática de atos de improbidade administrativa e ainda dos crimes previstos no art. 312 do Código Penal e art. 89 da Lei nº 8.666/93”.

O primeiro crime (“apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”) prevê pena de dois a 12 anos de reclusão e multa. Já o desrespeito à Lei de Licitações prevê detenção de três a cinco anos mais multa. Até o momento não foi instaurado inquérito criminal.

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O termo de cooperação firmado em 2008 entre Petrobras e Unirio para a execução do “Projeto de Desenvolvimento de Metodologia e Técnicas de Modelagem em Processos de Negócios e Administração de Dados” tinha valor avençado em R$ 17.163.200. Mas a Unirio publicou no Diário Oficial da União extrato de apenas R$ 1.549.299,84 em contrato firmado em 2011 com a Funrio, fundação de apoio da universidade que assumiu as obrigações junto à estatal.

A Funrio, por sua vez, subcontratou, sem licitação, as empresas SE7TI Serviços de Tecnologia da Informação Ltda., IK Soluções de Informática EPP, Azevedo Soluções em TI Ltda. e Open It Soluções Tecnológicas. Todas elas tinham como sócios professores em dedicação exclusiva da Unirio e faturaram, juntas, cerca de R$ 2 milhões.

Notas fiscais em série

Só a SE7TI, que tinha como sócias as professoras Cláudia Capelli Aló, Fernanda Baião Amorim e Flávia Santoro, recebeu R$ 735 mil em notas fiscais coletadas em 2012. As três também tinham sociedade com Renata Mendes Araújo na IK, que recebeu R$ 546 mil. Segundo os autos, quatro notas fiscais eletrônicas de até R$ 25 mil foram emitidas em 1º de março de 2011, com diferença de dois minutos entre a primeira e a quarta.

Já a Open It, da qual Flávia também era sócia, tem três notas, cada uma de R$ 4.500, emitidas em 4 de fevereiro de 2011, às 17h26, 17h28 e 17h30. A Funrio fez depósitos em conta corrente conjunta da docente com seu marido, que é sócio responsável pela empresa. No total, a empresa recebeu R$ 40.500.

Por sua vez, a Pimpa Informática Ltda e a Azevedo Soluções em TI Ltda atuam no mesmo endereço, localizado em Saquarema. A segunda tem em seu quadro societário a esposa e o pai do docente Leonardo Azevedo, que assinou contrato com a Funrio em 2008. A Azevedo recebeu R$ 57.750, e a Pimpa, R$ 296.100. De acordo com o inquérito, a professora Kate Revoredo “solicitou a um amigo, sócio da empresa Damon, que emitisse notas fiscais correspondentes aos valores que recebia além da bolsa”. A Damon recebeu R$ 76.500.

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Segundo auditoria da CGU, cada um deles também teria recebido R$ 907.920 em bolsas como pesquisadores seniores no período de execução do projeto, de 48 meses, o que daria uma média bruta de R$ 18.915 por mês. Como professores de dedicação exclusiva da Unirio, seus salários variam entre R$ 5.658 e R$ 13.604.

Desde 2012, a Unirio instaurou quatro Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Os três primeiros não foram concluídos pela dissolução das comissões convocadas. O último, presidido pelo ex-procurador da república e professor de Direito da Unirio Paulo de Bessa Antunes, concluiu pela suspensão de Kate Ferreira e demissão dos outros cinco professores.

Segundo o relatório, todos deveriam devolver os valores que comprovadamente lhes tenham sido pagos pelas empresas das quais faziam parte em razão de serviços prestados em função do Termo de Cooperação, bem como os valores percebidos da Unirio a título de dedicação exclusiva.

Apesar de concordar com as penas, a Procuradoria Federal da Unirio declarou a nulidade do PAD por “inobservância do princípio da ampla defesa e do contraditório”.

— O que eles declararam foi completamente absurdo. Fizeram isso para acomodar. A nossa comissão fez o trabalho que tinha que ser feito. Entendo que foi respeitado o devido processo legal e o amplo direito à defesa — diz Bessa.

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Procurados insistentemente pelo Globo, nenhum dos professores quis se manifestar.

Em seus depoimentos, todos negaram irregularidades. Cláudia Capelli, que acumulou o cargo de docente em dedicação exclusiva e as funções de coordenadora técnica do projeto, bolsista na função de pesquisadora sênior, fiscal do contrato celebrado entre a Unirio e a Funrio, além de ser sócia da SE7TI e da IK, alegou que “todos, os pagamentos realizados eram previamente aprovados pela reitoria e objeto de prestação de contas”.

Outra docente investigada, Renata Mendes disse “que a existência de diversas empresas com sócios cotistas professores era fruto de um ‘modelo’ concebido entre o departamento, a Funrio, a Pró-Reitoria de Administração, ao que sabe consciência da Procuradoria Geral da Universidade, com vistas a viabilizar a participação dos docentes em Convênio ou Contratos assemelhados”.

Mesmo após ser indiciada no PAD, a professora Renata Mendes foi promovida em setembro de 2014 à coordenadora do Mestrado Acadêmico em Informática, função comissionada e cargo de confiança, elevando seu salário de R$ 14.011 para R$ 15.334.

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Em nota, a Unirio alega que “o repasse de verbas para o projeto foi autorizado a partir do termo de cooperação firmado entre a universidade e a Petrobras, realizado via Funrio. Porém, a execução orçamentária é de responsabilidade dos professores envolvidos no projeto”. Sobre a promoção de Renata, a instituição alega que, como o PAD foi considerado nulo, “não há impedimento administrativo para que os professores envolvidos assumam funções acadêmicas”.

Reitor pediu novo processo

Após a Procuradoria da Unirio ter declarado a nulidade do PAD, o reitor da universidade, Luiz Pedro San Gil Jutuca, determinou a instauração de um processo sancionatário para a Funrio e uma Tomada de Contas Especial para apurar responsabilidades pelos danos causados e a quantificação dos danos, a identificação dos responsáveis e a obtenção do respectivo ressarcimento. Jutuca também solicitou à CGU a condução de um novo PAD, “considerando a gravidade dos fatos, a dificuldade de servidores capacitados para compor a comissão e o desgaste na matéria no âmbito da Unirio”.

Também por meio de nota, a Petrobras comunicou que o termo de cooperação técnica com a Unirio tinha como objetivo a cooperação científica e tecnológica para desenvolvimento de metodologias e técnicas de modelagem de processos de negócio e administração de base de dados. De acordo com a Petrobras, a escolha da UniRio deveu-se ao fato de “ser reconhecida como referência técnica e nacional na área, além de ser uma instituição de pesquisa e ensino sem fins lucrativos, com notável reputação”.