Mais do que uma crise no sistema penitenciário nacional, as chacinas nos presídios de Manaus (AM) e Boa Vista (RR) são a ponta de um problema muito maior que, direta ou indiretamente, afeta todos os brasileiros: o crescimento das facções criminosas. Elas não apenas controlam cadeias, mas também dominam territórios nas periferias das grandes cidades. Estão por trás do aumento da criminalidade. E agora dão mostras de que intensificam um processo de internacionalização que pode levá-las a se transformar em organizações. Fora o risco de cooptação de agentes públicos. No Amazonas, por exemplo, há acusações de envolvimento de juízes com a Família do Norte (FDN). E também há suspeita de que a facção negociou apoio a candidatos a cargos eletivos mais fortes.
- MEDIDAS - como o poder público deveria proceder para aliviar a crise carcerária
A resposta que as autoridades têm dado diante do desafio não apenas tem sido ineficaz, mas alimenta ainda mais o poder das facções. E o pior é que a população incentiva essa prática.
“A sociedade quer segurança. Mas ao mesmo tempo quer que o preso apodreça na cadeia”, diz Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Esse imaginário coletivo contribui para que as autoridades não se sintam obrigadas a cumprir a Lei de Execuções Penais, que estabelece uma série de direitos para os presos e que normatiza regras para ressocializá-los. Desse modo, as penitenciárias se transformaram em depósitos de gente e escolas do crime.
O diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, afirma que o país tem hoje 622 mil presos para um sistema que deveria comportar 371 mil. É nesse meio superlotado – no qual “ladrões de galinha” ou usuários de drogas se misturam com criminosos perigosos, contrariando as regras da lei – que as facções arregimentam novos quadros em nome de proteção dentro e fora do presídio.
Quando saem das penitenciárias, os ex-detentos devem favores à facção. E, para pagá-los, cometem os crimes que deixam toda a população em estado de insegurança. O mais perverso disso tudo é que muitos dos ex-detentos nem mesmo chegam a ser condenados – 42% deles estão encarcerados sem julgamento, diz Marques.
Os massacres de detentos no Amazonas e em Roraima também evidenciaram o processo de internacionalização das facções brasileiras. As mortes dentro dos presídios tornaram pública a disputa entre o PCC e a Família do Norte (associada ao Comando Vermelho) pelo controle da rota internacional de tráfico de drogas do Rio Solimões, por onde entra a cocaína da Colômbia e do Peru.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada na segunda-feira (9), o secretário de cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República, o procurador Vladimir Aras, alertou para o risco de haver uma disputa entre grupos brasileiros pelo controle da cocaína na América do Sul. Segundo ele, isso pode ocorrer em função da desmobilização das Farc, grupo guerrilheiro que era financiado pelo dinheiro do narcotráfico e que, após de décadas de guerra civil na Colômbia, firmou um acordo de paz com o governo colombiano.
Encarceramento em massa
Pesquisador do grupo de estudos sobre violência e administração de conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, Felipe Athayde Lins de Melo afirma que a rápida expansão das facções veio junto com a intensificação da política de encarceramento em massa adotada no país – uma lógica punitiva que encontra forte respaldo na população.
Segundo ele, o domínio das facções hoje não se restringe apenas às penitenciárias. Nas periferias das grandes cidades, a presença dos grupos criminosos já é uma realidade. Segundo Lins de Melo, embora haja diferenças com o que ocorreu com os cartéis da Colômbia e hoje acontece no México, o Brasil também já vive uma dominação territorial pelas facções. Mas isso se verifica de forma mais velada.
Ausência estatal
“O fato é que as facções cresceram e crescem justamente na ausência, incompetência e omissão do Estado”, diz coronel reformado da PM-SP José Vicente da Silva Filho, que foi secretário nacional de segurança pública em 2002. Segundo Silva Filho, além da execução deficiente da Lei de Execuções Penais, o problema é alimentado pela falta de uma política de inteligência eficaz para coibir o crime organizado e pelo investimento insuficiente em construção de penitenciárias. O Fundo Penitenciário Nacional, por exemplo, tem uma sobra de R$ 2,6 bilhões – verba que foi contingenciada pelo governo federal ao longo dos anos para pagar juros da dívida pública.
Como enfrentar a crise nas cadeias
Especialistas defendem uma série de medidas para o colapso do sistema penitenciário e, consequentemente, melhorar a segurança pública
- Isolar, num primeiro momento, os líderes das facções.
- Rever a política de encarceramento em massa, investindo em penas alternativas, por exemplo.
- Intensificar os mutirões carcerários, para tirar de penitenciárias os detentos que têm direito à liberdade ou progressão de pena.
- Cumprir a Lei de Execuções Penais, não misturando criminosos perigosos com pessoas detidas por outros tipos de delitos e investindo na ressocialização dos detentos por meio do trabalho e da educação.
- Rever a política de guerra contra as drogas (que tem demonstrado ser equivocada, pois aumenta a criminalidade) e a legislação sobre entorpecentes – responsável por 30% das prisões em todo o país. Discutir a possibilidade de descriminalizar as drogas.
- Investir em sistemas de inteligência policial para combater o crime organizado.
- Investir na construção de penitenciárias.
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