O Corpo de Bombeiros do Paraná, criado em 1912, se aproximava dos 100 anos quando a primeira mulher vestiu o fardamento. Foi há uma década, quando uma lei estadual permitiu à corporação a inclusão das bombeiras. Na primeira turma, entraram 23 “bombeiros militares do sexo feminino”. Em dez anos, elas chegam a 119, entre oficiais e soldados. Foi o tempo de conquistar o respeito dentro da corporação. Mas o caminho até um Corpo de Bombeiros igualitário não terminou de ser trilhado, e passa por uma maior inclusão tanto na base quanto no topo da hierarquia.
A ampliação esbarra na lei, que hoje restringe a 50% a entrada de mulheres nos concursos. Tanto o concurso para soldado, realizado pela última vez em 2013, pela Fafipa, quanto o de oficiais, organizado pela UFPR, são claros: “Atingido o limite previsto não serão nomeados candidatos do sexo feminino independente da classificação final obtida no certame”.
A recíproca não é verdadeira. Se as primeiras posições forem conquistadas por homens, só eles entram. Uma mudança na regra poderia afrouxar a pirâmide que aponta a proporção de mulheres diminui conforme a hierarquia sobe.
A gente tinha que provar que as mulheres poderiam ser inseridas em todas as áreas, se não ia acabar fechando as portas.
Em dez anos, a patente mais alta atingida por uma mulher foi a de capitã. Para chegar a coronel, topo da carreira, a média na corporação é de 30 anos de serviço. Atualmente, as bombeiras representam menos de 4% de um efetivo de 3.126 bombeiros. A presença está concentrada nos grandes centros; no interior, há muitos batalhões sem presença feminina.
Mesmo sendo poucas, elas já causam uma mudança de mentalidade dentro da instituição. Os próprios colegas homens que, no começo, diziam duvidar da capacidade das mulheres de fazer um bom trabalho hoje admitem que era preconceito.
A mudança foi resultado de uma conquista. Na primeira turma, em 2005, “ninguém sabia o que fazer”, conta a tenente Rafaela Mansur Diotalevi, 33 anos. Não havia tabelas de teste físicos, fardamento ou banheiros femininos.
119 mulheres
fazem parte do Corpo de Bombeiros do Paraná, entre soldados e oficiais. Capitã é a mais alta patente. Há mulheres nas três especialidades dos Bombeiros, de guarda-vidas, socorrista e condutora. Também há mulheres aptas para o combate a incêndio urbano e florestal.
As primeiras bombeiras foram “cobaias” para muita coisa que foi criada dali para a frente. Quem veio do interior permaneceu em Curitiba ao menos por três anos, até os quartéis de suas cidades se adaptarem para recebê-las.
O sentimento era de “provação”. De que entre as 23 – que representavam apenas 6% daquela turma de soldados –era preciso ter mulheres excelentes para trabalhar em todas as áreas do Corpo de Bombeiros. Caso contrário, ficaria um sentimento de que “a mulher” não tem capacidade para aquela função.
“Naquele momento a gente tinha que provar que as mulheres poderiam ser inseridas em todas as áreas, se não ia acabar fechando as portas”, lembra Rafaela.
A soldado Simone Aparecida dos Santos, 31, era daquela turma, e lembra que nunca tinha imaginado ser bombeira, até porque não existia concurso para mulheres. Hoje, a coisa começa a mudar de figura. “A gente encontra mulheres que param a gente e falam: ‘Eu quero ser bombeira, é meu sonho!’.”
Histórias que marcam
Em situações de emergência, a tendência do ser humano é travar, entrar em desespero. É nessa hora que os Bombeiros entram em cena. Ser um diferencial. Agir com profissionalismo para controlar a situação. Quem fica de prontidão no quartel chega a atender 20 casos em 24 horas. Mas algumas histórias marcam. Conheça as que marcaram a vida de duas bombeiras da primeira turma de mulheres do Corpo de Bombeiros do Paraná.
“É uma história feliz e triste ao mesmo tempo. Um salvamento de uma família inteira, seis vítimas. Nunca vou esquecer, porque infelizmente uma delas veio a morrer. Fiquei sozinha com cinco, vítimas, mantendo elas [vivas], achando que ia morrer naquelas frações de segundo, até vir alguém te auxiliar. Você sai da água e os outros vem te agradecer por ter salvo cinco, mas se sente penalizada por não ter conseguido salvar o sexto. Mas continuei trabalhando no mesmo posto, para observar aquilo e ver que não foi algo que eu errei, foi algo que aconteceu. O comandante mostrou justamente isso, foi uma fatalidade. Eu me preparei, sou uma profissional competente. ‘O que faltou, foi culpa minha?’, você pensa. Mas a gente tem que trabalhar com o lado bonito de ser bombeiro, conseguir salvar alguém, mas muitas vezes não dá. A gente fez o nosso serviço. Nosso sentimento é de derrota, mas algumas fatalidades vão ocorrer.”
Tenente Rafaela Mansur Diotalevi, 33
“Faz uns seis anos, já. A mãe jogou o bebê do sexto andar, uma menininha de oito meses. A imagem dela fica até hoje na cabeça. Fomos acionados no quartel umas 21h e pouco da noite pelos vizinhos, falaram que a mãe estava tentando jogar o bebê e se jogar do sexto andar. Quando chegamos, ela já tinha jogado e estava sentada na sala, olhando para as paredes. A gente perguntava ‘foi você quem jogou’ e ela respondia ‘fui, fui eu que joguei’. Estava completamente fora dela. Uma menina de oito meses, com uma roupinha rosa, aqueles brinquinhos de bolinha. Só que já estava em óbito, não tinha o que fazer. Imagine o impacto, uma queda do sexto andar. As ocorrências que mais marcam são com crianças, porque é tão indefeso. De repente em um acidente de carro morre pai, mãe e você chega ali e encontra a criança. As vezes você primeiro pega no colo, encosta no teu peito e fala ‘agora eu estou te protegendo’. É gratificante, mas é dolorido.”
Soldado Simone Aparecida dos Santos, 31
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