Piraquara não é uma ilha mas está cercada de água por todos os lados. Quis a natureza que 50% do líquido fornecido pela Bacia do Altíssimo Iguaçu viesse do município que fica a 22 quilômetros de Curitiba. Juntas, as vizinhas Quatro Barras, Campina Grande do Sul, Pinhais, Colombo e São José dos Pinhais somam pouco mais de 30% da produção de água da região, bem menos do que Piraquara, o que a faz uma espécie da embaixadora de Netuno por essas bandas a rainha da concorrência. Mas é como ser rico em virtudes.
O município das inacreditáveis 1.162 nascentes sendo 1.116 apenas do Rio Iguaçu e outras 56 do Ipiranga e do Nhundiaquara gera 3.200 litros por segundo, quase metade dos 7.200 litros consumidos na RMC. Para si, fica com uma jarrinha 5%. Com tanta água, contudo, sofre de contra-indicações. O benefício da proteção desafia qualquer exercício de lógica, pois reduziu o valor das terras dado suas limitações de uso e acabou virando porto seguro do povaréu que vaga pela RMC.
Os piraquarenses sabem o que representam e admitem que, graças à posição estratégica, são assistidos pelo poder público. Mas querem mais do que um conta-gotas. "A água é nosso maior produto e a gente recebe pouco por isso", reivindica Gilmar Zachi Clavisso, secretário municipal do Meio Ambiente. A cidade 100% ecológica tem um modesto orçamento de R$ 38 milhões/ano, em média 30% do que ganham as próximas Pinhais ou Colombo, onde o equilíbrio entre diversas atividades gera mais renda. Já Piraquara, como não enriquece com seu ouro, sugere royalties, nos moldes dos recebidos nos municípios lindeiros de Itaipu.
A "cidade das águas" também quer ser vista não como a pátria do superpopuloso Guarituba, mas como uma bandeira metropolitana. Nada mal se fosse adotada como uma espécie de causa ecológica, defendida com o mesmo ardor dedicado às últimas reservas de araucária. Mas seria romântico demais. Na vida como ela é, o município vai ter de rebolar para resolver sua crise de identidade: é a principal área de manancial paranaense e carrega incômodos 8% de crescimento nas costas ou seja, abriga a periferia de Curitiba e ainda lhe dá de beber. "Somos uma unidade de conservação, mas uma unidade partilhada pela sociedade", compara Gilmar Clavisso, sobre a situação muito particular do município cujo perfil lembra o de um paraíso em perigo.
Em Almirante Tamandaré, para surpresa dos que a vêem como síntese da encrenca em que as regiões metropolitanas se tornaram, o sentimento piraquarense se repete. "A compensação financeira teria de ser maior. É hora de repartição de benefícios", avisa Jocélia Fonseca Maria, secretária de Meio Ambiente e Turismo, recorrendo à expressão usada pela ONU. Ali, o pouco mais de R$ 1 milhão por ano do ICMS Ecológico precisaria ser multiplicado por três para dar conta do recado. Justifica-se. Há míseros 3% de esgoto tratado no município que faz parte de duas bacias a do Iguaçu e do Ribeira.
Com 110 mil habitantes e modestos R$ 50 milhões de orçamento anual, essa vizinha rejeita o posto de cidade dormitório. O raciocínio é simples cada vez que alguém volta para casa pela Avenida Anita Garibaldi deixou dinheiro na capital. É uma troca. Ou pelo menos deveria. "Não dá mais para ver Curitiba sem nenhuma integração com a região metropolitana. Temos obrigação de entregar água limpa e de receber algo por isso", sugere a secretária.
Mas a conversa mal começou. À revelia de seus 780 litros por segundo e notória área verde, Almirante é percebida do lado de cá com 10 graus de miopia. Melhor forçar a vista. Essa desconhecida tem 85% do aqüífero Karst água subterrânea que abastece os próprios mananciais. Em paralelo aos recursos para manter as bacias, projetos para as águas subterrâneas vão se desenhando. É água para dar e vender mas nada que bons vizinhos não troquem movidos por pura gentileza. Ou preços de ocasião.
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