A reprodução assistida é regulamentada no Brasil desde 1992. Na resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) estão normas claras, como a obrigatoriedade da informação e do consentimento de pacientes e doadores de gametas (óvulos e espermatozóides) e a proibição da escolha do sexo - exceto em casos específicos como doenças hereditárias. No entanto, 17 anos após ser publicada, os especialistas cobram a atualização da resolução e aprovação do Conselho Nacional de Bioética, o que resultaria na criação de uma legislação específica e em maior segurança nos procedimentos.
Segundo o coordenador da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Reinaldo Ayer, a resolução do CFM já está ultrapassada e deve ser reformulada em breve. "Estamos discutindo o assunto na reforma do código de ética médica em que estamos trabalhando, pois a legislação precisa ser atualizada", afirma.
Para Volnei Garrafa, presidente da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco e professor da Universidade de Brasília (UnB), a regulamentação vai além da competência do CFM, cabendo ao Legislativo estabelecer regras claras para o setor. "O primeiro bebê de proveta brasileiro nasceu em 1984 e até hoje o Congresso Nacional não conseguiu votar um projeto de lei que regulamente a fecundação assistida", afirma.
Projetos de lei foram apresentados nos últimos anos ao Congresso, mas todos acabaram sofrendo rejeição por carregarem fortes conotações ideológicas, liberais ou conservadoras. "Os projetos de lei são sempre formulados por deputados ligados à Igreja ou a organizações não governamentais. Isso mostra o vazio que existe pela falta de um conselho de bioética", diz Garrafa.
A saída, afirma ele, seria a criação do Conselho Nacional de Bioética. O papel do órgão seria discutir e formular regras para serem apresentadas à aprovação do Congresso.
"Essa moça completou 25 anos e o Brasil ainda está com sua legislação absolutamente omissa em relação ao assunto", afirma.
Lentidão
O coordenador da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp questiona a hegemonia das clínicas privadas no oferecimento dos serviços de reprodução assistida e defende que o Sistema Único de Saúde (SUS) amplie sua participação no setor, o que tornaria a prática acessível e menos propensa a deslizes éticos. "Precisamos de normas que definam claramente como são obtidos os óvulos e espermatozóides. Não pode haver, por exemplo, a sexagem (escolha do sexo do bebê)", diz Ayer, que também é professor de Bioética na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Entre as normas atuais do CFM também estão a proibição da venda de óvulos e espermatozóides pelos doadores e o relacionamento destes com os receptores. Segundo o médico, clínicas que apresentam resultados expressivos nas primeiras tentativas de fertilização (que costumam não dar certo) devem ser examinadas com cuidado. "De acordo com as evidências científicas, hoje é possível obter cerca de 35% de resultados positivos", explica Ayer.
"Clínicas que atingem 60% de resultado positivo, por exemplo, precisam ser investigadas, pois é um indício de manipulação genética. Se isso acontecer, não resta outra alternativa a não ser a cassação do registro do médico", afirma.
O presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), Waldemar Naves do Amaral, diz acreditar que a resolução do CFM continue válida, no entanto, reforça que a atualização precisa ser constante. Técnicas como a transferência de citoplasma, descritas pelo advogado do médico Roger Abdelmassih, acusado de ter cometido crimes sexuais, como uma das práticas de sua clínica, não estão previstas na resolução do conselho, pois não existiam quando este foi editado.
Amaral critica a lentidão com que as normas são revistas. "O que traz benefício e não gera risco tem que ser incorporado, pois a ciência anda na frente das normas. As leis surgem depois dos fatos", diz. "Não sei se um conselho de bioética seria melhor do que o próprio conselho de medicina. Se ele não fizer a revisão das normativas periodicamente, também vai ficar atrasado."
Em maio de 2008, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disciplinou outro problema relacionado às clínicas de fertilização: o controle do destino dos embriões congelados. A definição da agência instituiu o Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) que obrigou as clínicas a revelar o número de embriões congelados que mantêm.