É difícil falar com o ex-vereador João Derosso, 77 anos. Tem de ser bem cedo. Pois cedo ele sai para caminhar pelas ruas do bairro onde nasceu e cresceu, sem sequer pensar em arredar o pé dali. Foi assim com seu pai Francisco Derosso que desde 1962 dá nome a uma das avenidas mais movimentadas da Região Sul. E com seu avô, Giácomo, imigrante italiano que em 1877 veio ao Brasil ajudar na construção da Estrada de Ferro Curitiba Paranaguá.
Viveu tempos em Alexandra. Conheceu uma mulher da família Brum e se aquietou. Depois, seguiu rumo ao Xaxim região que era uma gleba dos Ribeiro Batista, via de ligação com Santa Catarina e onde adquiriu dois alqueires que se multiplicaram: os Derosso hoje se confundem de cima a baixo com o endereço que escolheram.
O patriarca João o mais novo dos quatro filhos de Francisco mantém a linha-direta com o passado. Perambula repetindo nos tempos modernos o que se fazia ali perto, rumo ao Caminho do Arraial. "Os Strobel vieram a pé de São Francisco", ilustra. Vez ou outra vai a uma escola deixando as crianças e os adultos embasbacados com a precisão de sua memória. Cita datas, nomes e episódios com a naturalidade de um contador de histórias. Nomes das famílias que fizeram o bairro saem da cartola: Slaviero, Cortiano, Dallgabo, Lázaro, Rebelato, Gabardo, Parolin, Gusso, Dallagassa. Trata dos barriqueiros da região a serviço da indústria do mate. Da fortuna de Roberto Hauer que deu origem às vilas vizinhas ao comprar 700 alqueires por ali. "Do Portão para cá havia um latifúndio", conta. O Xaxim vira um reino distante.
João adquiriu parte dessa performance em 25 anos de vida pública. Foi vereador de 1963 a 1988, tempo em que ficou conhecido como o "vereador cegonha", já que "deu luz" a diversos bairros da cidade. A do Xaxim veio em 1958, via Boqueirão, e custou oito mil cruzeiros por família. O método era o mesmo: saía de manhã para andar e anotava onde os postes não chegaram. Antes de sair, dizia em casa que ia para o céu: São Miguel, Santa Helena, Santa Cândida. Para o Bairro Alto foram 1,3 mil postes. Mais 800 no Jardim Urano. "Levei minha filha no Cajuru dizendo que lá havia o tapete mágico. Era só banhado. Pisava e afundava."
Mas o Xaxim é o rio de João. O bairro está no álbum de fotos o chão de terra, a vida de chácara e os sobrenomes que ficaram, como Bortolo Gusso ou Zanotto. Foi ali, garante Derosso, que surgiu o melhor risoto de Curitiba, obra de Cinira Rus-so, ainda viva, cuja família, no ramo industrial, continua seu legado. A indústria do laticínio local também deve à região. O pai de João, Francisco, passou a distribuir leite em 1936 e brigou pela pasteurização, dividindo o ramo lácteo com os vizinhos menonitas, também instalados no Xaxim. Nos anos 40, Francisco trouxe a professorinha primeiro Vera Ribeiro, depois Augusta Ribas e ainda o poeta Colombo de Souza.
Conhecidíssimos na região, os Derosso tinham de comparecer. Com um Ford 1937 na garagem, João era chamado no meio da noite para levar a parteira Clara Tedesco aqui e ali. Ficou popular. Quando se candidatou, o estouro de votos e a certeza de que os Derosso e o Xaxim formavam um casal difícil de separar.
Em certo sentido, foram felizes para sempre. Um pouco do velho bairro sobrevive na porta da casa da família. A chácara já não é tão grande quanto antes, mas ainda tem burrico e avestruz. O Derosso pai não é mais vereador, mas continua suas andanças e atende o povo na porta. Gostaria que a região tivesse mais praças e que mais gente tivesse doado espaços para a comunidade.
Duro mesmo é esperar dez minutos para conseguir sair da garagem. A Avenida Francisco Derosso é um exercício de paciência para motoristas e pedestres. Mas João tem um plano melhorar as paralelas, para fazer o trânsito fluir. Pensa sempre nisso. O Xaxim não sai de seu pensamento, desde o início da manhã. (JCF)