Naquela tarde de confabulações, véspera de Natal, estavam os quatro meninos novamente reunidos preparando as cartas com a lista dos presentes que queriam ganhar do Papai Noel. O três amigos de Alan estavam preocupados em melhorar os planos para que ele também ganhasse um presente, porque no ano anterior Papai Noel havia esquecido o dele. Para os amigos o plano havia dado certo, pois cada um recebeu o seu. Tinham todos em torno de sete anos de idade e moravam em Terra Rica, Noroeste do Paraná.
Dessa vez escolheram exatamente o dia 24 de dezembro. A carta seria legível, refeita tantas vezes quantas fossem necessárias, e precisariam de um local mais apropriado para deixá-la, de forma a ser encontrada pelo destinatário. Acreditavam que no ano anterior a carta havia sido feita com muita antecedência, ou quem sabe a letra não estivesse legível, ou o fato de ter sido deixada dentro de um sapato embaixo da cama pudesse ter dificultado o trabalho do Papai Noel. Só não dava para entender porque apenas a carta de Alan não havia sido encontrada.
Após escrever e reescrever umas quantas vezes e por fim dobrar a carta com todo cuidado, estava formalizado o pedido de Alan: um caminhãozinho azul com carroceria comprida para transportar as caixas de fósforos vazias que ele colecionava com capricho. No início da noite, a família da casa onde ele morava de favor saiu para visitar conhecidos e o menino aproveitou para colocar a carta atrás da porta, lugar selecionado pelos amigos porque seria mais fácil de ser encontrada pelo Papai Noel. Em seguida foi se deitar.
O sono escapava-lhe nos vãos da ansiedade, e por várias vezes ouviu ruídos que poderiam ser do presente chegando, mas em nenhum momento arriscou conferir, pois segundo os amigos o certo seria fazer isso pela manhã. O último ruído foi talvez o da família chegando. Finalmente amanheceu, mais cedo do que de costume, e imediatamente Alan foi atrás do seu presente. Qual não foi a decepção ao ver que a carta estava lá, da mesma forma como havia deixado. Fez algumas buscas para ver se o caminhãozinho estava em outro lugar, porém não o encontrou.
Correu até a frente de casa, mas nenhum sinal dos amigos na rua. Voltou para dentro, fez mais algumas buscas de forma discreta, para que a tia (era assim que chamava a senhora com quem morava) não brigasse com ele devido à inquietação. Passado mais um tempo, um dos amigos o chamou. Saiu e lá estava ele muito feliz com o seu presente nas mãos. Não tardou e surgiram os outros, também com seus presentes. Imediatamente as análises começaram, numa tentativa de entender o porquê de mais uma vez o Papai Noel ter falhado com Alan.
Uma réstia de esperança iluminou os olhos do menino quando um dos amigos falou que o presente dele estava em local totalmente diferente daquele onde havia colocado a carta. A proposta seria de uma revista na casa inteira, porém deviam aguardar a tia sair. Até lá, os brinquedos dos amigos estavam à disposição, e começaram a brincar. Era dia de Natal e a tia preparava um assado no forno de barro no quintal. Não havia a menor chance de tentar encontrar o brinquedo enquanto ela estivesse por lá, pois o plano era revirar a casa toda. Em algum lugar haveria de estar.
O tio saíra bem cedo; logo, chamada por uma vizinha, ela saiu também. Lá foram Alan e os três amigos fazer uma varredura na casa, para finalmente constatar que realmente o plano havia falhado mais uma vez. Não conseguiram descobrir onde foi o erro, pois a mesma estratégia fora utilizada por todos: carta legível, bem dobrada e atrás da porta. No dia seguinte faziam planos para o próximo Natal e a situação de Alan seria re pensada por todos. Certamente descobririam outras formas para ele não ser esquecido novamente. Três anos seguidos seria impossível.
Passado algum tempo, Alan foi levado para a casa de outra família, mais numerosa e quase todos com cara de bravos. Por não ter mais os amigos por perto, e talvez um pouco desanimado com as decepções, desistiu de fazer nova carta para o Natal que se avizinhava. Se bem que os novos amigos tinham o mesmo costume: fazer cartas e receber presentes. Por alguns natais se esqueceu do Papai Noel, morou com mais algumas famílias, passando de mão em mão, e finalmente acabou parando num orfanato em Curitiba, em 1967.
No orfanato os natais não passavam em branco. Ganhou roupas algumas vezes, porém nunca viu o Papai Noel por lá, nem sequer teve notícias do caminhãozinho azul. Tinha a convicção de que ele existia e volta e meia arriscava um pedido, porém deixou de fazer isso por escrito. Chegou a adolescência e com ela a necessidade de sair do orfanato para trabalhar em projeto de menores aprendizes. Começava uma nova vida, com novos planos e novos sonhos.
Inconscientemente, achava que Papai Noel tinha uma dívida com ele, e volta e meia fazia um pedido, independentemente de ser Natal ou não. Dessa vez os pedidos fugiam do convencional. Ao invés de brinquedos, queria um bom trabalho, um bom chefe, amigos, estudo, uma casa e quem sabe, lá na frente, conseguir uma mulher para se casar. E não é que pouco a pouco, e numa ordem estabelecida pelo próprio, Papai Noel, esses presentes foram chegando?
Terminado o convênio do projeto onde trabalhou pela primeira vez, Alan encontrou outra empresa e uma chefe maravilhosa. De quebra, mais amigos. Por meio de um amigo, surgiu um novo emprego e mais um chefe fantástico, que se preocupava com ele. A vida continuou e já se sentia acanhado de pedir, era momento de começar a agradecer por tudo estar dando certo. Tinha um bom emprego, um bom chefe, estava estudando, tinha amigos que o ajudavam, estava feliz. Achava que já tinha ganhado tudo e eis que surge um novo presente: uma namorada.
A companheira que tantas vezes pediu, de repente chegou para fazê-lo ainda mais feliz. Gláucia tornou-se a mulher da vida de Alan Buck, com quem compartilha os dias já há 27 anos. Chegaram os filhos, Bruno e Elis Marina, e com eles Papai Noel sempre dava o ar da sua graça. Vida feita, vida ganha, por intermédio de uma das pessoas que o cuidou quando criança conseguiu reencontrar a mãe em Cruzeiro do Oeste, onde nasceu. Hoje a mãe mora em Curitiba, na casa que o filho comprou para ela.
"Seria difícil enumerar todos os presentes que recebi do Papai Noel: emprego, chefes, amigos, estudo, esposa, filhos, saúde, paz, felicidade e, enfim, os presentes que se renovam a cada dia", diz Alan. Constantemente vai à missa na paróquia do bairro, Santa Madalena Sofia, para agradecer, e hoje o novo desafio é tentar retribuir pelo menos parte de tudo o que ganhou. Nunca ficou chateado com Papai Noel, e é bem provável que ele jamais tenha ficado chateado com Alan. Apenas não o encontrou por duas vezes.
"Na última missa em que fui ele estava lá. Parece que querendo conversar comigo. Quase não o deixei falar, porque sempre tenho muito para agradecer. Num breve momento deu a impressão de que ele queria falar alguma coisa sobre o caminhãozinho azul. Fiz de conta que não escutei. Não precisava!"
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