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Saúde em crise

O que está em jogo no caso da médica-chefe da UTI de Curitiba

O caso envolvendo a chefe-médica da Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba deve ser apurado e noticiado com a máxima prudência para não resultar em prejuízos irremediáveis.

Um ponto que deve ser levado em consideração quando falamos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) é que, por sua natureza e pelo estado de saúde de seus usuários (os pacientes em estado grave de saúde) a morte é de grande incidência neste ambiente, independentemente das tecnologias mais avançadas aplicadas com o objetivo de salvar vidas, o que revela nossas limitações.

O hospital Universitário Evangélico de Curitiba é hospital de referência no prontoatendimento de pacientes graves oriundos de acidentes de trânsito por sua localização (concessionárias de estradas pedagiadas Rodonorte/ Caminhos do Paraná, Ecovia), queimados, acidentes de trabalho, ferimentos de arma branca e de fogo, acidentes vasculares, infartos entre outras hipóteses. E em sua maioria, estes pacientes após algumas intervenções médico-cirúrgicas seguem para cuidados intensivos em UTI, onde aguardam e recebem cuidados e avaliações diárias para novas intervenções, melhoras do quadro clínico ou sua piora, e certas vezes, a morte inevitável.

Hoje temos uma carência enorme de prontoatendimento nesta capital, os hospitais de referência para o SIATE, SAMU, Concessionárias de Estradas Pedagiadas se dividem essencialmente entre os hospitais Cajuru, Trabalhador e Evangélico (excetuando-se a região Metropolitana de Curitiba Ex. Hospital Angelina Caron), desembocando no gargalo que são as UTI’s conforme a Central de Vagas/Leitos (SESA) para o encaminhamento dos pacientes da Rede SUS.

As Unidades de Terapia Intensiva também recebem classificações dentre elas, quanto à complexidade de seus pacientes (índices: APACHE II -Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II e SAPS II - Simplified Acute Physiology Score II) e, consequentemente, a demanda de trabalho e o estresse gerado aos profissionais destes ambientes. Enquanto temos UTI’s que pacientes respiram normalmente sem auxílio de aparelhos, outras predominantemente os pacientes respiram com o auxílio de respiradores/ventiladores artificiais. Enquanto em umas UTI’s os pacientes se alimentam com dietas leves servidas no prato acompanhados dos habituais talheres garfo e faca. Outras unidades nutrem seus pacientes por nutrientes eletrolíticos via sonda endovenosa (parenteral) ou através de sistemas implantados que levam dieta liquefeita diretamente para o estômago ou intestino (enteral). Em determinadas UTI’s os pacientes frequentam o banheiro, outras unidades os pacientes realizas suas necessidades via sonda uretral e fralda descartável geriátrica. São contrastes enormes que merecem atenção no na medida de suas desigualdades.

O Sistema Único de Saúde para o pagamento das diárias das Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) usa uma sistemática de pontos onde tal pontuação decresce quanto mais o paciente permanece na UTI. O que deveria ser um estímulo para a rotatividade, na verdade penaliza o serviço intensivo pela piora do paciente, quando exige a sua estada de permanência perante o quadro clínico do doente ainda instável e grave. Sem esquecer que a demanda cresce, seja pelo crescimento da expectativa de vida (75 em média) com seus acidentes domésticos, o crescimento de frota de veículos sem ampliação da rede hospitalar e ou mudança no modal de atenção em saúde. O que exige mais e mais leitos de UTI’s.

Salientamos que a UTI é um ambiente confinado, fechado, e com alto nível de estress entre os profissionais que perfazem longas jornadas de plantão seja de 6, 12 ou 24 horas (sim ainda existe esta carga horária!). A responsabilidade com etiquetamento, prescrição, curativos, procedimentos e atos e doses, devem ser acompanhados para que cheguem ao destinatário certo o paciente que necessita de tais cuidados. O ambiente é insalubre repleto de uma infinidade de bactérias, vírus, fungos, que podem ser transmitidos pelo contato com flúidos corporais, sangue, saliva, urina e fezes, e pelo ar. Se aliarmos a isso os problemas pessoais dos componentes da equipe da UTI’s, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e técnicos de enfermagem, técnicos de raio –X, além dos profissionais que passa visita diária (nutricionista, médicos da neurologia, ortopedia, endoscopia, cirurgiões do tórax, gastroenterologistas, infectologistas, urologistas...) é fácil de imaginar que as diferenças existem. O drama reside em manter o trato e a convivência diária entre os profissionais, isento de qualquer conflito por 365 dias por ano, este é o desafio.

Outro ponto importante são os conceitos do Biodireito e Bioética, tais como ortotanásia, distanásia e eutanásia. Sendo a Ortotanásia o conceito de morte ao tempo certo resultado da falência dos órgãos e sistemas do corpo humano sem emprego de técnicas que prorroguem a morte, atendendo-o no que couber, sem qualquer sofrimento ou dor em sua passagem. Respeitado o previsto que consta no Código de Ética Médica de 2009 em vigor desde abril de 2010, no seu artigo 41, Parágrafo Único.

Distanásia seria o prolongamento da morte que não vislumbra a melhora do paciente, mas a sua manutenção sem objetivo em casos que a doença não possui reversibilidade estando num grau de dependência tecnológica, diagnósticos e terapêuticas injustificáveis em seus rumos, resultando em investimentos, para sua manutenção, desarrazoados.

Eutanásia significa abreviar a vida por dor ou sofrimento. Dispensar ou suspender todo ou qualquer tecnologia ou aparelho, medicações passíveis de manter o corpo com vida com diagnóstico irreversível de doença incurável ou terminal. Quando manifesta a vontade pelo paciente aqui, trata-se de auxílio ao suicídio, artigo capitulado na mesma espécie mas, que não se confunde com homicídio, possui pena específica.

Um ponto importante e que deve ser determinado com enorme precisão é a morte nos casos de morte encefálica, comum nos traumas envolvendo veículos e os acidentes vasculares encefálicos (hemorrágicos) em sua maioria. Por força legal, deverão ser confirmadas e reafirmadas às mortes encefálicas (através de tomografias, testes de apnéia entre outros), e só depois os familiares são procurados pelas Centrais de Transplantes de Órgãos e Tecidos para uma possível doação, tudo regulado pela Lei 9434/97 art. 3º. E respeitado o que trata o art. 46 do Código de Ética Médica. Quando não se trata de pacientes possíveis doadores em casos de doenças ou negativa da família, deve ser informada a família e por conseguinte, desligados os aparelhos, dando oportunidade deste leito para outro paciente a oportunidade de viver.

Sem adentrar no mérito dos depoimentos dos funcionários, até porque nem tampouco os advogados de defesa não obtiveram cópia do inquérito, em que pese o juiz da Vara de Inquéritos Policiais já tenha concedido este direito. O Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (NUCRISA), até ontem não havia providenciado tais cópias, verdadeira afronta ao princípio constitucional da ampla defesa da acusada, que permanece presa.

O Homicídio Privilegiado, previsto no artigo 121, §1º, do Código Penal Brasileiro seria o enquadramento mais grave aceitável na denúncia apresentada pelo Ministério Público ao final do inquérito policial. (causa de diminuição de pena na fração de 1/6 a pena fica fixada entre 5 a 16 anos e 4 meses, já na fração 1/2 a pena fixada entre 3 a 10 anos).

A hipótese de Homicídio Qualificado no artigo 121, § 2º., do Código Penal Brasileiro, não se verifica nem na hipótese mais remota até o presente momento, mas diante da comoção pública do caso a denúncia pode ser suis generis, admitindo para acusar, frágeis indícios.

Outro tocante que deve ser verificado é que, existem pacientes graves conveniados, particulares e do Sistema Único de Saúde, não se verifica na UTI – Geral do Evangélico, A morte de todos pacientes SUS, doentes terminais atendidos naquela Unidade. De outro modo, não se confirma a sobrevivência total de todos os pacientes particulares e conveniados, por óbvio por se tratar de uma Unidade de Terapia Intensiva Geral, sujeita ao ingresso de todo tipo de doenças e causas de acidentes possíveis de se imaginar.

Na hipótese de confirmação da existência de crime, sendo confirmado mais de uma vez o episódio, a pena de um dos crimes, por se tratar de crimes de mesma espécie, condições de tempo e lugar, maneira de execução, aplica-se a pena de uma dela se crimes iguais, ou a da mais grave se distintas, aumentada de um sexto até a metade proporcionalmente ao número de eventos de morte dos pacientes. Tal qual preconiza o artigo 71 do Código Penal Brasileiro. Desconsiderando qualquer hipótese de concurso de pessoas (co-autores), resta vaga cogitação de outros dois médicos.

A assistência ao suicídio, como já dito, não se confunde com o homicídio, e tem sua pena fixada entre 2 a 6 anos. Quando atendida a vontade do doente.

O que deve ser analisado na médica em comento é sua conduta e postura profissional, como médico que é, e que fez o juramento de Hipócrates. Uma análise isenta de qualquer impressão quanto ao seu estilo, modismos ou gostos pessoais. O que parece, sob nossa ótica, está impregnado nos depoimentos veiculados pela mídia nacional. Salientando que todo acusado é inocente até que se prove o contrário.

Roberto Rolim de Moura Junior, advogado Criminalista do Tribunal do Juri, Especialista em Direito Aplicado e Saúde Pública, professor de Bioética e Biodireito, autor das obras: Bioética e Biodireito: os princípios da Beneficência ou Não-maleficência e da Dignidade à Vida, aplicados aos conceitos de Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia, seus conceitos, questionamentos e vícios. E, Bioética e Biodireito: O Fenômeno do Suicídio Assistido Promovido na Suiça, confrontado com o paradigma da ortotanásia – suas definições e diferenças à luz dos princípios da Beneficência e Dignidade à vida.

Telefone: (41)3042-3242

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