As obras de construção do Colégio Estadual Jardim Paulista e do Colégio Estadual Ribeirão Grande, ambos em Campina Grande do Sul, na região metropolitana de Curitiba, deixaram de ser apenas questão educacional para a comunidade daquele município. A primeira transformou-se em um “mocó”, onde moradores de rua passam a noite, e também em ponto de consumo de droga. Na segunda, parte dos materiais de construção já sumiu. A reportagem da Gazeta do Povo foi até as duas unidades na quinta e sexta-feira da semana passada, quando constatou o abandono nas obras.
Veja detalhes dos contratos para a construção das duas escolas
Grande parte dos recursos – cerca de R$ 9 milhões – das obras das duas escolas que, praticamente não “saíram do papel”, já foi repassado à construtora Valor, responsável pelas construções. A empresa é acusada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Paraná de participar de um esquema de desvio de recursos destinados a dez obras de escolas estaduais. O esquema é investigado pela Operação Quadro Negro.
Segundo relatórios da 7.ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas (TC), no Colégio Jardim Paulista foi atestado o andamento de apenas 10,35% da obra, mas a Valor já recebeu R$ 2 milhões, referentes a quase 50% do total contratado. No Ribeirão Grande, o TC apontou que, embora a obra esteja em fase primária, a construtor já recebeu um terço do valor total do contrato, R$ 1,2 milhão.
Aditivos
A obra do Colégio Ribeirão Grande, licitada por R$ 3 milhões, foi aditada em 4 de dezembro de 2014 em pouco mais de R$ 712 mil. Já a obra do Jardim Paulista, licitada por pouco mais de R$ 4, 2 milhões, foi aditada na mesma data em cerca de R$ 1 milhão.
Abandono
Na obra do Colégio Jardim Paulista, há poças, recipientes cheios de água, latas de cerveja amassadas e vestígios de consumo de droga. Confira mais fotos que mostram a situação de abandono das duas escolas. Nos dois dias em que a Gazeta esteve no local, os mesmos homens saíram, assim que perceberam a presença da reportagem. “A gente é ‘trecheiro’, senhor. Só ficamos aqui porque não temos para onde ir”, comentou um deles ao sair da obra, enquanto o outro fumava um baseado.
Obras paradas
Seis obras de escolas tocadas pela construtora Valor, incluindo as duas de Campina Grande do Sul, continuam suspensas por determinação do Tribunal de Contas do Estado (TC) para a verificação de supostas irregularidades. Relatórios da 7ª Inspetoria de Controle Externo do TC apontam para a prática de irregularidades como a execução inadequada dos processos licitatórios, fraude de documentos e pagamentos por serviços e aditivos não executados.
Vizinhos demonstraram indignação. “Finalmente alguém apareceu aqui para ver essa obra”, disse um deles. Os gêmeos Patrique e Pablo Araújo de Assis, de 13 anos, lamentam a situação. “A gente queria ver a escola aberta”, disse Pablo. Os dois chegaram a entrar nela e imaginar como seria ter aula numa das salas. Ali, porém, giz de cera espalhado no chão é o único símbolo escolar presente.
Responsabilidade
A Secretaria da Educação informou que a responsabilidade pela segurança e manutenção das obras é da Valor enquanto o contrato estiver vigente.
Sem opção, crianças da 5.ª série têm de estudar a 10 km de distância
A paralisação da obra do Colégio Estadual Ribeirão Grande, de responsabilidade da construtora Valor, provoca outro problema para Campina Grande do Sul, na Grande Curitiba . Estudantes que já chegaram à 5ª série precisam ser matriculadas em outra escola, que fica a quase dez quilômetros da comunidade. No local, há uma creche e outra escola que oferece vagas até a 4ª série.
“O povo aqui sofre e eles [os construtores e políticos] ficam numa boa”, disse o funcionário de uma empresa de reflorestamento, Abraão Alcântara, 23 anos. Ao lado dele estão duas primas, Tatieli Cardoso Bandeira e Evelin Nadine, ambas com 12 anos. Elas vão começar o calendário escolar no Colégio Estadual de Terra Boa, há 10 km de distância. “Queríamos estudar perto de casa”, disseram as duas.
A tia das meninas, Dirlei de Paula Bandeira, 32 anos, sintetizou a falta que a escola nova em Ribeirão Grande está fazendo: “Para mães como nós, seria ótimo ter um colégio aqui. Significa mais segurança. Quando a gente está trabalhando, nosso corpo está lá, mas a cabeça fica pensando nas crianças. Tudo isso que está acontecendo é uma pouca vergonha. Se faltasse dinheiro, tudo bem. Mas sobra, é mal investido e fiscalizado”, desabafou. A nova escola significaria também uma tentativa de melhorar a educação local. “As crianças vêm aqui na minha mercearia e não conseguem contar o próprio dinheiro”, mencionou Deusita Antunes de Campos, 66 anos, há 30 morando em Ribeirão Grande. Ela é proprietária da mercearia, localizada em frente da creche, próxima da construção abandonada.
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