Especialistas em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) exigiram uma ação imedidata do governo brasileiro para resolver os danos causados pelo desastre de Mariana (MG), causado pelo rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco. O desastre deixou 19 mortos e completa um ano neste sábado (5).
O grupo que cobra uma posição do Brasil fazem parte do chamado “procedimentos especiais” do Conselho de Direitos Humanos, maior órgão de especialistas independentes no Sistema de Direitos Humanos da ONU. Eles pedem soluções para problemas causados pelo derramamento de rejeitos, como a diminuição do impacto sobre as comunidades locais.
Dentre as demandas da ONU está a resolução dos “problemas de saúde nas comunidades ribeirinhas”; “a reinstalação de povos indígenas” que habitam o caminho que a lama percorreu pelo Rio Doce e seus afluentes, a descontaminação da água que abastece a região; a pronta realocação dos habitantes das comunidades devastadas – como Bento Rodrigues, distrito de Mariana que foi devastado pelos rejeitos –, e a investigação de “relatos de que defensores dos direitos humanos estejam sendo perseguidos por ação penal”.
A carta ainda pede que as empresa envolvidas no rompimento da barragem – Samarco, Vale e BHP Billiton – assegurem que “desastre semelhante jamais se repita.”
Assinaram a declaração Léo Heller, brasileiro, que é relator especial sobre o direito humano à água potável e ao saneamento da ONU; o médico lituano do Conselho de Direitos Humanos da ONU; Dainius Püras, o francês relator especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos; Michel Frost e Victoria Tauli-Corpuz, das Filipinas, que é relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas,;além do Grupo de trabalho sobre direitos humanos e corporações transnacionais e outras empresas, criado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Íntegra da carta
Leia o comunicado na íntegra, divulgado no site da ONU:
“Na véspera do primeiro aniversário do colapso catastrófico da barragem, de propriedade da Samarco, instamos o governo brasileiro e as empresas envolvidas a darem resposta imediata aos numerosos impactos que persistem, em decorrência desse desastre.
As medidas que esses atores vêm desenvolvendo são simplesmente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse colapso, que tem sido caracterizado como o pior desastre socioambiental da história do país.
Após um ano, muitas das seis milhões de pessoas afetadas continuam sofrendo. Acreditamos que seus direitos humanos não estão sendo protegidos em vários sentidos, incluindo os impactos nas comunidades indígenas e tradicionais, problemas de saúde nas comunidades ribeirinhas, o risco de subsequentes contaminações dos cursos de água ainda não recuperados, o avanço lento dos reassentamentos e da remediação legal para toda a população deslocada, e relatos de que defensores dos direitos humanos estejam sendo perseguidos por ação penal.
Relembramos o governo e as empresas que um desastre dessa escala — que despejou o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de rejeitos — requer resposta em escala similar.
Apelamos ao Estado brasileiro para que forneça evidências conclusivas sobre a segurança da qualidade da água dos rios e de todas as fontes utilizadas para consumo humano e que estas atendem os padrões legais aplicáveis. Estamos preocupados com relatos sugerindo que alguns dos cursos de água nos 700 km afetados, sobretudo do vital Rio Doce, ainda estejam contaminados pelo desastre inicial. Especialmente, de que níveis de alguns metais pesados e de turbidez ainda estariam violando os limites permissíveis.
Tal quadro é particularmente urgente, à luz de relatos de que comunidades afetadas pelo desastre estarem sofrendo efeitos adversos sobre sua saúde. Receamos que o impacto sobre as comunidades ribeirinhas sejam resultado não apenas da contaminação da água, mas também da poeira resultante do ressecamento da lama.
Destacamos ainda as conclusões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), indicando que os esforços das empresas envolvidas — Samarco, Vale e BHP Billiton — para deter os contínuos vazamentos de lama da barragem de Fundão, estejam sendo insuficientes. Receamos que mais rejeitos possam atingir as regiões de jusante quando a temporada chuvosa iniciar, daqui a algumas semanas.
Além de estarmos solicitando urgentes esclarecimentos sobre a qualidade da água e a saúde das vítimas, estamos preocupados também com o destino das comunidades que foram forçadas a abandonar suas casas devido ao desastre. Após um ano, o processo de reassentamento está longe de concluído. Devem ser tomadas medidas de restituição e reassentamento que incluam a reinstalação de povos indígenas e comunidades locais deslocados para terras, territórios e recursos de igual qualidade, tamanho e estatuto jurídico às terras de onde foram forçados em decorrência do desastre.
Acreditamos que o Governo Brasileiro e as empresas envolvidas necessitam acelerar o processo de reassentamento e assegurar que esteja em consonância com o marco internacional dos direitos humanos. Atenção especial deve ser prestada aos direitos dessas comunidades, à melhoria progressiva de suas condições de vida, e ao respeito a seus valores culturais.
Anteriormente, elogiamos a suspensão do acórdão pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro, devido a várias preocupações quanto a seus termos. No entanto, observamos que este acordo ainda se encontra sem solução nas instâncias judiciais inferiores. Reiteramos a nossa grave preocupação com os efeitos adversos que alguns dos termos do acórdão podem provocar no direito das populações de acesso à justiça.
Ainda que sejam positivas as iniciativas para a conciliação e o acesso rápido a medidas reparatórias, o acórdão não deve desproteger as comunidades afetadas quanto a um acesso pleno a soluções efetivas a longo prazo.
Instamos as empresas a se absterem de tomar qualquer ação que traga intimidação do trabalho dos defensores dos direitos humanos, e a assegurarem que qualquer medida para a proteção de suas propriedades seja proporcional aos fatos e não conflitem com o direito da população à liberdade de expressão e acesso à justiça.
Apelamos ao Governo Brasileiro para que intensifique seus esforços de prover uma solução a esse impasse legal, de modo a evitar subsequentes impactos sobre os direitos humanos das comunidades afetadas e a alcançar uma integral reparação. Isto deve incluir garantias de que desastre semelhante jamais se repita.
Reconhecemos alguns passos importantes que as empresas vêm tomando para interagir com o Ministério Público, os procuradores da justiça e lideranças comunitárias, para se encontrarem soluções comuns e resolver todas as pendências o mais rapidamente possível.
É preciso agora redobrar todos os esforços, para assegurar que os direitos humanos de todos os afetados, incluídos os familiares das 19 pessoas falecidas em decorrência do desastre, sejam integral e rapidamente cumpridos.”