Às vésperas de completar 45 anos de que foram criados, os orelhões resistem ao tempo e à concorrência gerada pela popularização dos celulares. É bem verdade que a utilização dos telefones de uso público (TUPs) – como são chamados, tecnicamente – vem em queda, mas ainda assim esses aparelhos são bastante usados, especialmente para ligações mais curtas e emergenciais. Só no Paraná há cerca de 43 mil orelhões, dos quais 7,5 mil estão instalados em Curitiba.
“Eu uso mais o celular, mas, volta e meia, quando eu estou na rua e preciso ligar para um fixo, eu uso orelhão. Sempre que tem uma emergência, é pra ele que a gente recorre”, disse a vendedora Ana Letícia, de 28 anos, que tentou, por meio de um dos telefones públicos do Centro de Curitiba, agendar uma consulta médica, cuja demanda surgiu de última hora.
Desde 2015, um fator contribui para que os orelhões sejam mais procurados no Paraná e em outros 13 estados em que a Oi mantém telefones públicos: as ligações para telefones fixos – locais e interurbanas – são gratuitas. Trata-se de uma penalização imposta pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) à operadora. A gratuidade acaba atraindo muitos usuários. É por não gastar um centavo para ligar para fixos que o operador de telemarketing Jonathan Luís, de 29 anos, procura o orelhão quando surge alguma eventualidade.
“Eu recebi uma ligação no celular de um telefone fixo que eu não conhecia. Então, eu corri ao orelhão para ligar de volta e ver quem era. Mas só uso [orelhão] em emergências ou quando preciso ligar para fixo”, apontou.
Ao lado do Mercado das Flores, no Centro de Curitiba, há uma fileira de oito orelhões, em torno dos quais o movimento é contínuo, em geral, formado por transeuntes que fazem ligações rápidas e partem apressados. “Só quando a gente precisa é que a gente vê que eles [os orelhões] estão aí e, olhe, são uma mão na roda. Eu não compro nem cartão [telefônico]”, disse o auxiliar de escritório Jonas Duarte, de 19 anos.
Por outro lado, a Oi aponta, por meio de dados oficiais, que os orelhões estão caindo em desuso – ainda que aos poucos. Segundo levantamento da operadora, 29,9% de seus telefones públicos não são sequer utilizados. Mais de 68% não geram chamadas tarifadas: ou seja, são usados apenas para as chamadas gratuitas para terminais fixos. A empresa atribui os números à “migração do consumo de voz fixa para voz móvel” e aponta que o fenômeno “faz parte da evolução da telefonia em todo o mundo”.
Um “senhor” maltratado
O orelhão qual conhecemos – com uma cúpula em fibra de vidro – foi desenvolvido em 1972, pela designer Chu Ming Silveira, nascida na China, mas que migrou ao Brasil ainda criança. Inspirado na casca do ovo, o projeto previa que aquele modelo de cabine seria uma boa solução acústica – isolando ruídos externos -, resistente e barata. Não à toa, o equipamento é considerado um dos ícones do design brasileiro.
Apesar de já ser um “senhor”, o orelhão vem sendo maltratado e não é de hoje. Em uma andança pelo Centro de Curitiba, a reportagem encontrou exemplos de vandalismo – um dos aparelhos chegou a ter o fone incendiado. As depredações acabam afetando os próprios usuários. A aposentada Maria Tereza Gonçalves dos Santos e suas duas netas, por exemplo, tiveram que caminhar por 20 minutos – da Praça Rui Barbosa ao Mercado das Flores – até encontrar um aparelho em condições de uso. “Eu não achava um [orelhão] para ligar”, resumiu.
Jonathan Luís também teve que “bater perna” até chegar a um telefone que estivesse em funcionamento. “Eu tentei outros dois. O primeiro não estava nem dando linha. No segundo, eu não conseguia ouvir. Precisava melhor o padrão. Tem muitos [aparelhos] quebrados”, apontou.
A Oi apontou que um dos principais problemas em relação aos telefones públicos é, justamente, o vandalismo. Ao longo de 2016, cerca de 14% dos orelhões (mais de 6 mil aparelhos) instalados no Paraná foram danificados. “Em alguns casos, as equipes da empresa consertam os aparelhos e eles são danificados no mesmo dia”, disse a operadora, por meio de nota. Ainda segundo a empresa, apenas 0,04% da planta de telefones públicos gera receita suficiente para cobrir os custos de manutenção.
Além disso, a poluição visual também incomoda os usuários. Em Curitiba, já se tornou corriqueiro encontrar punhados de cartões com número de telefone de garotas de programa são afixados nos orelhões. Em menos de uma hora, a reportagem presenciou por duas vezes o abastecimento dessas propagandas nos equipamentos públicos. “O ruim são essas anarquias. Emporcalham tudo com essa pouca vergonha. Vem criança e pega os papeizinhos. Eu acho errado”, opinou a aposentada Maria Tereza Gonçalves dos Santos.
Eles preferem o telefone público
- Felippe Aníbal
O celular do tratorista Nelson Kimiesck, de 48 anos, é usado exclusivamente para receber mensagens. “Faz tempo que não ponho crédito. Você coloca R$ 10 e em dois dias já acaba”, diz. O homem – que mora em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba – prefere mesmo os orelhões. Usa os aparelhos para tratar de assuntos dos mais particulares e não se importa de estar em espaço público.
“Sempre, sempre que eu estou na rua, eu uso [o orelhão]”, conta.
Quando a reportagem o entrevistou, por exemplo, ele havia acabado de pedir um orçamento a uma loja. “Eu estou atrás de peças de fogão. Então eu liguei pra ver o preço”, disse.
A aposentada Maria Tereza Gonçalves dos Santos também é uma adepta da telefonia fixa. Diz que simplesmente não gosta de usar celular. Quando sai de casa, até leva consigo o aparelho móvel, mas apenas para o caso de surgir alguma eventualidade. “Quando eu tô na rua, se precisar ligar, é orelhão. Em casa, é fixo. Eu tenho um celular desses simplesinhos, mas é só pra quando alguém precisa me achar, em emergências”, aponta.
Quem precisa dos orelhões reclama da redução de número de aparelhos nas ruas. Nelson, por exemplo, diz que na Vila Cercadinho, em Campo Largo, onde ele mora, havia cinco telefones públicos. Hoje, restou apenas um. “O jeito é andar e procurar, até achar um”, resigna-se.
Maria Tereza, por sua vez, observa que na Rua XV de Novembro, no Centro de Curitiba, já não existem mais orelhões. “Não sei se tiraram porque achavam feio, mas tinha que ter. Muita gente passa por ali”, opina.
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