Para garantir que adolescentes em conflito com a lei não reincidam, o governo federal incentiva os municípios a inclui-los nas políticas sociais existentes.
Este foi o tema do encontro regional para a integração do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que ocorreu ontem em Curitiba. A ideia é garantir que jovens que cumprem medidas em meio aberto, como a liberdade assistida, participem de programas sociais para evitar que cometam crimes mais graves e sejam privados de liberdade.
Para a diretora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Margarete Cutrim, esta é uma forma de responsabilizar os meninos e meninas, mas ao mesmo tempo trabalhar com a prevenção. O objetivo é que tanto eles quanto as famílias tenham acesso à psicólogos e assistentes sociais e equipamentos públicos como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). "É preciso uma intervenção pedagógica para que se trabalhe a responsabilização e a reflexão", diz.
O evento é promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR).
Como o SUAS e o Sinase podem ajudar jovens em conflito com a lei?
O Sinase é direcionado para esse público. O programa surgiu para amparar as medidas socioeducativas, que se dividem em níveis diferentes de gravidade, passando pela advertência, reparação do dano, liberdade assistida, semi-liberdade e privação de liberdade. É algo que ainda está sendo instituído.
O sistema prevê normas para padronizar os procedimentos jurídicos e também normas arquitetônicas para os Centros de Socioeducação.
O SUAS foi criado para regulamentar a assistência social nos três níveis de governo, garantindo que as políticas sejam de fato públicas e que proteja os cidadãos vulneráveis. O SUAS é um tripé, que junto da previdência e saúde, garante a seguridade pública. Com isso, garante-se que as políticas tenham formas e nomenclatura única, mesmo incorporando a realidade local.
Partindo dessa contextualização, podemos dizer que cabe à política de assistência social a proteção e o acompanhamento do adolescente em conflito com a lei. Isso porque as medidas socioeducativas em meio aberto, como a liberdade assistida, são responsabilidade dos municípios. Os governos estaduais são os responsáveis pelas medidas privadoras de liberdade. Essa divisão está estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Por que este tema está na pauta do governo federal agora?
Ao longo dos anos, houve diferentes formas de intervenção. Esta forma de regulação e responsabilização é recente. Antes essa atenção ao jovem privado de liberdade era feita por meio de organizações não governamentais e a antiga Febem. Com o ECA essa lógica é redimensionada. Compreende-se agora que os adolescentes estão em fase de desenvolvimento e precisam de atenção integral. O Estado tinha de chamar esta responsabilidade para si.
Como ocorre a integração dos dois sistemas?
Chegamos a conclusão que o SUAS e o Sinase precisavam estar integrados para garantir o direito dos jovens que cumprem medidas socioeducativas. Isso ocorre porque o ato infracional é uma moeda de dois lados. O envolvimento da juventude com a criminalidade mostra que ele teve seus direitos violados antes. Em nosso país, grande parte da população que nasce em um contexto de exclusão, tem seu caminho interrompido.
Então, ao mesmo tempo que a justiça responsabilizará o jovem pelo ato infracional, precisamos organizar um serviço de acompanhamento da medida. É preciso uma intervenção pedagógica para que se trabalhe a responsabilização e a reflexão. O menino ou menina precisa entender o contexto de direitos e deveres, precisa ter um acompanhamento específico para que refaça seu projeto de via, crie novas relações e perceba que é um sujeito de direitos e um agente transformador.
O trabalho é em rede. A justiça aplica a medida socioeducativa e encaminha o jovem para os equipamentos do município para trabalhar a prevenção.
O que as políticas sociais podem trazer de vantagem para o jovem em conflito com a lei?
Acreditamos que tem de haver primazia no atendimento das medidas em regime aberto. Isso reduz a possibilidade de reincidência e faz um trabalho preventivo. A convivência familiar e comunitária é primordial. Quando há a privação de liberdade, não há relacionamento com a comunidade e família.
O foco nas políticas sociais faz com que tanto o jovem quanto a família sejam atendidos dentro do SUAS. Isso significa que terão acesso a equipamentos como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e profissionais como psicólogos e assistentes sociais. Uma política somente não dá conta da situação, porque é algo muito complexo.
O governo federal tem uma parceria com os municípios para repassar verbas incentivando as medidas em meio aberto. Como esta este processo? Como ampliar o número de cidades que efetivamente assumem esta responsabilidade?
Hoje o governo federal tem parceria com 384 municípios. A inovação é que a transferência do recurso é feita de modo automática e regular. Não é um como um convênio ou recursos pontuais, que podem ser cessados. O repasse também não é per capta e sim por capacidade de atendimento. Isso muda a lógica.
Inicialmente foram selecionados municípios com mais de 50 mil habitantes. Mas já pensamos em rever este dado porque cidades menores também têm necessidades semelhantes. O valor repassado é divido em duas categorias. A primeira é em relação ao montante dos CRAS. Para se ter uma ideia, ao Paraná é destinado R$ 331 mil todo mês e ao Rio Grande do Sul R$ 341 mil. Em relação às medidas em meio aberto, os paranaenses recebem R$ 174 mil mensais. As parcerias e os valores repassados estão no início. A ideia do co-financiamento ainda é recente, começou em 2008 e continuamos a discutir.
Quanto à rede do SUAS, quase 100% dos municípios brasileiros já aderiram ao sistema. Precisamos aprender a compartilhar as responsabilidades para qualificar o atendimento.
O Brasil tem um dos maiores índices de morte de jovens do mundo. Como as políticas sociais podem mudar esta realidade?
É uma mudança de paradigma. O Estado passa a considerar a criança e o adolescente como sujeito de direitos, não mais alguém à mercê dos adultos. A assistência social trabalha políticas básicas como acesso à saúde e educação e passa a mudar o cenário brasileiro.