O Brasil precisa de mais uma polícia? Na última semana, cerca de 200 manifestantes, entre eles agentes penitenciários, ocuparam a Câmara dos Deputados, em Brasília, para pressionar os parlamentares a votarem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 308, que cria a Polícia Penal. A nova polícia ficaria responsável pela segurança interna e externa dos presídios, escolta, recaptura de presos e por investigações. Apesar da pressão, a proposta não foi votada por falta de quórum e a decisão ficou para depois das eleições. Até lá, a PEC apresentada pelo ex-deputado federal Neuton Lima, em 2004, promete causar polêmica.
A criação da Polícia Penal não foi bem aceita por entidades da sociedade civil nem pelo Ministério da Justiça. Organizações sociais, como a organização não governamental Justiça Global e o Instituto Sou da Paz, enviaram a todos os parlamentares uma carta com a assinatura de 25 entidades. No documento, elas afirmam que as atribuições de uma Polícia Penal seriam semelhantes às funções das polícias Civil e Militar. "Embora seja importante a regulamentação nacional do salário, da carga horária e de outras condições de trabalho dos servidores do sistema prisional brasileiro, tal reforma pode e deve ser implementada sem que seja criado mais um órgão policial", diz o documento.
Para o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho, a criação de uma Polícia Penal agravaria a falta de transparência e controle externo do sistema prisional. "Ela não vai trazer solução para o sistema prisional. Vai ser uma instituição que se somará ao caos já existente. A Polícia Civil reclama há anos que funções de polícia e de custódia não combinam. É preciso aumentar o número de agentes penitenciários, criar um plano de carreira, ter uma formação adequada e oferecer salários dignos". Segundo Jesus Filho, uma das maiores preocupações das organizações é que os agentes penitenciários recorram ao lobby para a defesa de direitos corporativos. "Não há preocupação com a sociedade. A preocupação é nitidamente corporativa", avalia.
A criação da Polícia Penal seria um retrocesso para o país, segundo o diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Aírton Michels. "Dar capacidade de polícia para esses agentes cria uma polícia fechada e sem transparência. O Brasil pagaria um mico no cenário internacional".
Já o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini diz que a proposta cria uma confusão entre as atribuições dos poderes Judiciário e Executivo. "O Poder Judiciário tem função de julgar, decidir. A polícia é Poder Executivo e tem função de executar ordens, investigar e atuar na prevenção. A PEC confunde as atribuições", diz. Para Bottini, uma divisão interna da própria Polícia Civil poderia dar origem à Polícia Penal. "E para isso não é preciso PEC. Seria uma divisão interna de competências". O especialista defende, ainda, que para o exercício de guarda de presos é necessária um treinamento específico. "Os carcereiros trabalham na execução da pena e na ressocialização".
Defesa
A reforma melhoria o sistema penitenciário como um todo, para o vice-presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), Antony Johnson. "A proposta qualifica o agente penitenciário e possibilita que se libere a Polícia Militar para voltar às ruas, pois hoje ela tem de fazer segurança externa dos presídios", afirma.
Segundo o ex-presidente do Sindarspen, Clayton Agostinho Auwerer, que esteve em Brasília na semana passada, na forma como é hoje os agentes penitenciários não conseguem cumprir a sua função de ressocialização e as previsões da Lei de Execuções Penais. "O índice de reincidência é de 60% hoje. Os presos não ficam um ano fora e já voltam presos novamente", afirma.
De acordo com o coordenador de comunicação do Sindicato de Agentes de Segurança Penitenciária de São Paulo, Daniel Grandolfo, a categoria já faz um trabalho policial. "Nós apreendemos droga e mantemos a segurança da unidade. Acontecem inúmeros crimes dentro de unidades prisionais. Como a Polícia Civil vai investigar?", questiona. Auwerter concorda. "Já apuramos o ilícito na cadeia. Nosso trabalho é de natureza policial, mas não é reconhecido", diz.