João Paiva: 20 horas de estudo por dia e menção honrosa na Olimpíada Internacional de Astronomia.| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Observar o céu nunca foi o bastante para o estudante João Paulo Krug Paiva. Entrou para o clube de astronomia da escola ainda na 7.ª série, antes mesmo de ter aulas de Física. O hobby o levou longe: até a Indonésia. Aos 16 anos, ele foi o brasileiro mais bem colocado na 15.ª Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (IOAA), realizada entre julho e agosto deste ano.

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João enfrentou 317 competidores de 41 países. Ficou em 81.º lugar no quadro geral e em 8.º entre os que receberam “menção honrosa”, dada a alunos que tiram entre 50 e 65 (de um total de 100 pontos). Além dele, outros três colegas da equipe brasileira conquistaram a menção.

Competição mantém Brasil na briga

Criada há 18 anos, a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) reúne anualmente quase um milhão de estudantes, do 1.º ano do ensino fundamental ao último do ensino médio. O interesse é grande, a despeito da ausência da disciplina no ensino básico, comemora o presidente da OBA, João Batista Garcia Canalle.

Ainda assim, a astronomia é uma ciência muito popular. “Você tem a sonda que passou por Plutão, o robôzinho em Marte, isso incentiva as crianças a estudarem ciências”, acredita Eugênio Reis, do Museu de Astronomia e Ciências Afins, ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

A popularização é importante para manter o país na briga pela tecnologia de ponta nesta área. Este ano, o país ficou em 20º na disputa por equipes da Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (OIAA), entre 41 países. Desde que a competição começou, o país sempre conquistou medalhas e menções honrosas.

“O Brasil está sempre bem colocado, ali no segundo pelotão”, conta Reis, que foi o coordenador do time de estudantes, na última edição da OIAA. O bom desempenho da garotada tem reflexo na pesquisa de ponta. Hoje, o país participa de consórcios internacionais de astronomia.

“São pesquisas que estão desvendando os mistérios do universo e da astronomia. Daqui a pouco vamos ter colônias terrestres na lua, em Marte, em um futuro próximo. E saber que o Brasil tem pesquisadores nesta áreas é importante”, defende Reis. Para o astrônomo, mesmo que o Brasil não esteja no primeiro escalão, é importante acompanhar estas descobertas.

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No topo da tabela, só competidores do “lado de lá” do mundo. Indonésia, Irã, Tailândia, Índia e Cingapura dominam. Bulgária e Rússia dão um leve toque ocidental à lista das 12 medalhas de ouro da edição deste ano, entregue para estudantes com no mínimo 90% de acerto.

O que separa esses estudantes dos brasileiros é um período de dois a três anos. Não de idade – a competição é só para quem está na etapa escolar equivalente ao nosso ensino médio – , mas de preparação. É o tempo que um aluno destes países “ouro” se dedica, noite e dia, aos estudos da astronomia e da astrofísica.

Mas a ausência da astronomia no currículo escolar não assustou os brasileiros, muito menos os impediu de se dedicar a cálculos matemáticos que deixariam muito estudante de engenharia tremendo nas bases. No mês que antecedeu a etapa internacional, João estudou 20 horas diárias. “Pensei até em desistir”, confessa. Era o medo dos esforços serem em vão. “Você tem que abrir mão de muita coisa para estudar. Mas sabe que não tem como competir com os indianos, por exemplo”.

Os estudos foram um misto de rede de apoio e autodidatismo. Os coordenadores da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) cedem materiais, entre eles um livro contendo todas as questões já feitas nas edições anteriores da olimpíada internacional.

Os 15 integrantes da equipe brasileira fizeram duas viagens guiadas para observação celeste. A primeira, ao Observatório Abrahão de Moraes (OAM), em Valinhos (São Paulo). A segunda, para o Observatório do Pico dos Dias (OPD), em Brazópolis (Minas Gerais).

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Em Curitiba, tornou-se frequentador assíduo do planetário do Colégio Estadual do Paraná (CEP). “Ele já chegou aqui tendo em mente todas as constelações e estrelas”, conta o professor Ademir Pereira, astrônomo do CEP. Leitura de planetário é uma das categorias de prova da IOAA.

772,5 mil

É o número de estudantes que se inscreveram para a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) em 2014, ano em que João Paulo se classificou para a etapa internacional. O número é uma vez e meia o de inscritos da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), que teve cerca de 500 mil estudantes inscritos na primeira fase. Ambas ainda são muito menores do que a Olimpíada de Língua Portuguesa, que em 2014 envolveu cerca de 5,1 milhões de alunos, de 46.902 escolas públicas.

Para o manuseio de telescópios, o rapaz contou com a ajuda do fabricante Sandro Coletti. Amigo de Eugênio Reis – coordenador da equipe brasileira, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação –, Coletti ensinou ao estudante a diferença entre um aparelho do tipo Azimuth e um equatorial. Basicamente, o primeiro leva em conta um ponto fixo (o Norte geográfico) e a altura em relação à Terra, enquanto o segundo simula no céu o que seriam as linhas geográficas do Equador e de Greenwich.

Como próximos passos, João quer criar asas e voar. Não para outra galáxia, mas para os Estados Unidos, onde planeja estudar Física na Universidade de Harvard ou no Massachusetts Institute of Technology (MIT).

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Além da medalhe de honra ao mérito em astronomia, ele aposta em seus seis anos como dançarino (sendo quatro como coreógrafo) para garantir a vaga. Isto porque as instituições norte-americanas levam em conta as atividades extracurriculares do aluno na hora de aceitá-lo e de fornecer bolsas.

Dança, aliás, deve ser o seu “minor”, o diploma secundário que os alunos precisam tirar para se formar nos Estados Unidos. E é com isso – e não com a Astronomia – que ele pretende trabalhar quando formado. Mas, até lá, “muitas águas vão rolar”. Por ora, João está mais focado em recuperar os dois meses em que ficou longe dos bancos da escola, entre estudos e viagens.