Em março passado, na tentativa de responder a uma demanda histórica da população, a prefeitura municipal de Curitiba lançou o Plano Estratégico de Calçadas (PlanCal), descrito como a “maior intervenção” do gênero já implementada na cidade. As metas: construir e revitalizar um total de 265 quilômetros de calçadas; transformar ruas em calçadões em todas as nove regionais administrativas; implantar Caminhos de Luz que criariam uma rede de calçadas seguras e integradas a equipamentos públicos, entre outras. Um ano após o lançamento, porém, pouco saiu do papel. A falta de clareza quanto aos custos e à origem dos recursos disponíveis e a ausência de um planejamento concreto de ação podem tornar o PlanCal apenas uma abstração.
Entre R$ 150 mil e R$ 1 milhão
É o quanto pode variar o custo do quilômetro de calçada. A variação decorre do que o projeto contempla: um passeio de 1,5 metro de largura em apenas um lado da via, com regularização do piso, blocos de concreto cinza e pequenas adequações de acessibilidade; ou um passeio que tenha também reforço nos acessos de veículos, grama, paisagismo, meio-fio e drenagem.
Apenas 12,6% das calçadas de Curitiba são acessíveis a cadeirantes
A acessibilidade também é problemática. Segundo dados do Censo do IBGE, apenas 12,6% das calçadas de Curitiba possuem rampa ou rebaixamento do meio-fio destinados especificamente para o acesso a pessoas que utilizam cadeiras de rodas – não foram consideradas rampas para acesso de veículos. A deficiência urbana é percebida pela Secretaria Especial de Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPD). De acordo com a pasta, as maiores queixas recebidas são referentes à inexistência de guias rebaixadas e à manutenção das calçadas existentes.
Segundo a secretária, Mirella Prosdóscimo, a cidade possui um grande passivo de calçadas que precisam de melhorias e adaptações para a acessibilidade, principalmente nos bairros mais afastados da Matriz. “Encontramos muitos obstáculos, mas o Plano de Calçadas já representa um avanço porque estabelece um modelo de calçada a ser adotado pela cidade”, complementa. A SEDPD informou que ao longo desse ano, como parte da parceria entre a secretaria e o Ippuc, devem ser implantadas mais de mil guias rebaixadas, a um custo de R$ 2,1 milhões. (CP)
Em 2014, desde que o PlanCal foi anunciado, Curitiba ganhou 80,7 quilômetros de passeios, entre novos e requalificados. Um avanço se comparado aos 8,19 quilômetros construídos em 2013, mas longe de resolver o déficit de calçadas da “capital da mobilidade”. Hoje, apenas um terço dos 4,5 mil quilômetros de ruas abertas em Curitiba possui calçadas em boas condições. Segundo dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), o outro terço de ruas tem calçadas em más condições ou interrompidas, e o terço final não possui calçamento algum. O Censo do IBGE indica que pelo menos 210 mil residências curitibanas não têm passeios – número que pode estar subestimado.
A urgência em investimentos na área, portanto, não é novidade e apareceu com frequência durante as audiências públicas que debateram o Plano Diretor no ano passado, mas o desafio de calçar a cidade é grande. A implantação em todas as ruas de Curitiba que não possuem calçamento custaria aos cofres municipais R$ 3,2 bilhões – excluindo do cálculo as reformas necessárias em calçadas já existentes e as obras de pavimentação definitiva das ruas.
Apenas o PlanCal teria de receber investimentos de R$ 225 milhões para sair do papel, conforme divulgado pelo Ippuc na época do lançamento do plano. O dinheiro viria da soma dos gastos com calçadas em sete projetos do Plano de Mobilidade de Curitiba. Atualmente, no entanto, a prefeitura afirma não poder precisar quanto seria necessário para executar os projetos. No início do ano, a fim de agilizar a captação de recursos, a administração municipal pleiteou R$ 69 milhões no Ministério das Cidades, porém ainda não obteve retorno do governo federal.
Longe da realidade
A Lei Orçamentária Anual também fixa despesas para calçamento. Em 2015, essa previsão é de R$ 2,5 milhões, vindos de três fontes: Implantação de Calçadas (R$ 2,3 milhões); Requalificação de Calçadas (R$ 145 mil) e Fundo de Recuperação de Calçadas (R$ 60 mil). No ano passado, foram destinados R$ 3,7 milhões para obras de calçamento. Se dependesse unicamente do dinheiro previsto pela LOA, seriam necessárias algumas décadas para executar o PlanCal em sua totalidade.
Metas
Veja como está o andamento de alguns dos projetos de um ano atrás:
Calçadas
A meta do Plano de Calçadas é, até o fim da gestão de Gustavo Fruet, implantar 115 quilômetros de calçadas e recuperar outros 150. Em 2014, o município afirma ter implantado 66,35 quilômetros de novas calçadas e ter revitalizado 13,72. Algumas vias contempladas foram: áreas de acesso à Rodoferroviária; Avenida Marechal Floriano Peixoto; Avenida Senador Salgado Filho; Corredor Aeroporto-Rodoferroviária; Linha Verde Norte e Sul, entre outras.
Calçadões
O Plano contempla a construção de um calçadão em cada uma das nove administrações regionais do município e um décimo para o Tatuquara. A ideia é criar zonas com ruas de pedestres e calçadas ampliadas para atividades de lazer e cultura, com circulação reduzida de veículos motorizados. Na ocasião do lançamento do Plano,em março de 2014, foi anunciada a pré-seleção de três ruas em cada uma das regionais. A população de cada regional é quem deve escolher qual delas será transformada em calçadão. O Ippuc prevê que essa escolha aconteça no primeiro semestre deste ano. Depois disso, haverá um concurso para seleção do melhor projeto e elaboração de estratégias para a implantação efetiva.
Caminhos de Luz
Projeto que engloba uma rede de calçadas requalificadas, projetadas a partir dos Portais do Futuro. O primeiro caminho de luz será na Regional do Portão, no Alto Boqueirão, mas só depois que o Portal da Rua Pastor Antonio Pólito – que está em fase final de projeto, segundo a prefeitura – for inaugurado.
As secretarias municipais de Obras Públicas e de Planejamento, no entanto, reforçam que muitos quilômetros de calçadas revitalizadas e construídas em Curitiba são parte de licitações de ampliação da malha viária da cidade. Ou seja, há calçadas sendo implantadas com outros recursos. No ano passado essas obras custaram aproximadamente R$ 335 milhões, mas a prefeitura não soube informar quanto desse montante foi investido especificamente em calçamento.
Falta de cronograma torna planejamento abstrato
Para além dos desafios orçamentários, a execução do Plano de Calçadas (PlanCal) parece esbarrar ainda no planejamento e logística das obras, ou seja, quais serão as ruas contempladas com novas calçadas ou com obras de revitalização? De acordo com o Ippuc, o plano trabalha com diretrizes, isto é, com a definição de áreas onde há a necessidade de intervenções. Embora no plano lançado pela prefeitura conste um mapa com as regiões e trechos que seriam beneficiados, não há um cronograma de obras e tampouco a definição de quais ruas seriam prioritárias.
De acordo com a prefeitura, a ideia inicial do PlanCal é promover a acessibilidade no entorno de equipamentos públicos municipais. Depois, gradativamente, as redes de calçadas acessíveis seriam estendidas a outros equipamentos, vias principais e ruas com transporte coletivo, até os locais onde estão instalados os pontos de ônibus e áreas de travessia de pedestres.
O processo de revisão das intervenções a serem realizadas inclui a reavaliação das prioridades – como no entorno de escolas, hospitais e terminais. Essas intervenções são cruzadas com os outros planos em desenvolvimento, tais como o Plano Cicloviário e o Plano de Recuperação da Malha Viária, para a otimização das obras.
Na avaliação da Mestre em Gestão Urbana e professora de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Tuiuti do Paraná, Priscila Zanon Monteiro, as metas traçadas pelo PlanCal podem trazer grandes benefícios para a população, mas a inexistência de um plano de ação concreto e um cronograma claro pode prejudicar sua execução.
“O ideal seria que todas as ruas de Curitiba tivessem calçadas, mas devido ao alto custo sabemos que levará anos até alcançarmos isso. O principal na hora de definir quais ruas serão beneficiadas é o fluxo diário de pedestres. A origem-destino da via não é tão importante porque a maior parte dos trajetos feitos a pé são curtos”, avalia.
Proprietário ainda é o responsável, mas fiscalização é falha
A responsabilidade pela construção, recuperação e manutenção dos passeios é do proprietário do terreno, conforme a Lei Municipal 11.596/2005, regulamentada pelo Decreto 1.066. O proprietário que não conservar o calçamento dentro dos limites de sua propriedade está sujeito à notificação e a multas, caso a omissão persista. Nesse caso, cabe ao município executar a obra e cobrar posteriormente do proprietário.
Nesse aspecto, o Plano de Calçadas prevê, também, a revisão do Decreto de Calçadas. Segundo o Ippuc, uma terceira versão passa por avaliação técnica e jurídica, mas ainda não há certeza sobre o que será mantido e o que será excluído do documento. A responsabilidade do proprietário sobre a calçada em frente à sua propriedade deve ser mantida.
Para o arquiteto Clóvis Ultramari, da pós-graduação em Gestão Urbana da PUCPR, parte do déficit de calçadas de Curitiba se deve a falhas de fiscalização. “A administração municipal tem de buscar maneiras de exigir que o proprietário faça o que está previsto em lei. Existe um desconhecimento e um descumprimento da legislação”, avalia.
De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, responsável pela fiscalização, 1.393 autos de infração foram emitidos no ano passado para proprietários que não construíram a calçada quando já havia meio-fio (responsabilidade da prefeitura) ou àqueles que não mantiveram os passeios em boa condição.
A infração mais frequente foi a falta de limpeza (867), seguida pela falta de construção ou reconstrução do passeio (186), além de guias rebaixadas e muretas frontais irregulares e obstrução e usurpação do passeio de qualquer natureza. As multas variam de R$ 84 a R$ 106.
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