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Cadernos do cárcere

Por uma pedagogia do encarcerado

O músico e educador Emerson Queluz tem apenas dois anos e meio de trabalho no Ceebja Mário Faraco, no Complexo Penal de Piraquara. Mas sua estada já rendeu uma dissertação de mestrado, defendida no fim do ano passado no setor de Educação da UFPR, com orientação da doutora Sônia Haracemiv.

"Cela de aula: espaço de ensino-aprendizagem" – engenhoso título dado à pesquisa – já nasceu consagrado. Num momento, digamos, exaltado, em que a sociedade empurra para o sistema prisional a responsabilidade de suas dívidas acumuladas, o trabalho descreve, com precisão e delicadeza, o perfil dos homens e mulheres da grade de ferro. Nada parece escapar ao autor – do abandono dos estudos antes de seus alunos se tornarem população carcerária à maneira como os condenados vêem o ensino.

"Para os presos, a escola é um espaço especial. O envolvimento com o estudo me surpreendeu e me parece um trunfo", argumenta Emerson, com o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, nas mãos. Foi em companhia do mais célebre educador brasileiro que Queluz fez seu percurso pelas unidades de Piraquara. E confessa que é impossível não se sensibilizar com o que encontrou entre um cadeado e outro.

Dessa viagem, voltou com informações que podem nortear novas pesquisas no cárcere. Além de vasculhar a recepção dos estudantes aos conteúdos propostos nas "celas de aula", a dissertação aponta pelo menos três grandes perspectivas. A primeira é histórica: com habilidade, Emerson mostra as relações turbulentas que os detentos um dia viveram com a educação. A maioria não freqüentava a escola havia mais de dez anos quando entrou no sistema.

A segunda perspectiva é pragmática – todas as fichas precisam ser investidas na ressocialização. É na hora do retorno à liberdade que a maior parte do trabalho se perde. Inclusive a escola – mais uma vez – derrotando as chances de transformação, tão palpáveis no tempo da pena. Por fim, Emerson identifica que a religiosidade – e não uma ou outra religião em particular – encurta caminhos entre educadores e educandos. Seu trabalho de campo, nos moldes da academia, foi além do horizonte. Merece mais do que aplausos por isso. (JCF)

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