Dominante no sistema prisional masculino, a presença das facções criminosas começa a ser registrada também em unidades de encarceramento de mulheres. A penetração ainda é lenta e está longe de ser comparada à força que esses grupos exercem sobre os homens presos. Entretanto, ela já leva preocupação à direção das unidades, que, em alguns casos, tem adotado expediente similar ao usado nas penitenciárias masculinas: a separação das presas ligadas a grupos criminosos.
A reportagem ouviu na última semana dirigentes, funcionários e estudiosos do sistema prisional em diversos estados. Em três deles – São Paulo, Mato Grosso e Pernambuco – foi possível identificar a presença de facções entre detentas.
O Brasil tem cerca de 37 mil presas, segundo dados de 2014 do Ministério da Justiça. Elas são apenas 6% da massa carcerária brasileira, mas têm chamado a atenção pelo ritmo de crescimento. Enquanto o número de homens presos aumentou 220% entre 2000 e 2014, entre as mulheres essa taxa foi de 567%. Em 2000, eram 5.601 detentas.
O tráfico de drogas é a principal causa de encarceramento de mulheres – 58% das prisões. Fontes dizem que a maioria está presa pela primeira vez e que apenas uma minoria usou de violência para o cometimento do crime. Muitas poderiam, por lei, estar cumprindo prisão domiciliar. São casos de mulheres que foram parar atrás das grades porque tentaram entregar drogas ao marido ou filho em dia de visitação em um presídio.
Em São Paulo, um dos primeiros registros da presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na maior penitenciária feminina foi em 2015. Um vídeo de uma festa para comemorar os 22 anos do grupo criminoso na Penitenciária de Santana, na capital, mostrou presas cantando o hino da facção, e drogas e bebidas sendo distribuídas.
A unidade abriga 2.225 mulheres e é maior do que muitos presídios masculinos. Na época, a direção da penitenciária foi afastada e a detenta que apareceu organizando a festa se tornou a primeira mulher a ir para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). No mês passado, ela foi condenada a mais 10 anos de prisão por causa da festa.
“O PCC tem a sintonia dos presídios femininos. Antigamente isso não tinha, o único papel das mulheres era de ser a companheira do preso. Hoje elas são batizadas, têm participação ativa e a mesma segurança e organização dentro da cadeia em troca de pagarem uma mensalidade de R$ 750 quando saírem”, afirmou o promotor Lincoln Gakiya.
Segundo o Ministério Público de São Paulo, o PCC, interessado em atrair mulheres para o tráfico, criou uma ala feminina em sua hierarquia.
Outra penitenciária onde se constatou a existência de presas ligadas a facções é a unidade Ana Maria do Couto, em Cuiabá, que abriga cerca de 200 mulheres. A diretora do presídio, Joadilma do Espírito Santo, afirmou que o número das mulheres envolvidas com grupos representa 5% do total, mas, mesmo assim, precisam ficar separadas.
“Nossa grande dificuldade é com as facções, que refletem muito aqui dentro. A gente tem que tomar cuidado com a separação”, disse.
Em Recife, é o sindicato de agentes penitenciários que denuncia a presença de facções na Colônia Penal Feminina Bom Pastor, onde vivem 691 mulheres, três vezes mais que a sua capacidade. O presidente do sindicato, João Carvalho, disse que integrantes de facções locais não são separadas das demais por falta de condições da unidade. Ele conta que nos primeiros dias deste ano uma nova facção apareceu no presídio, denominada Facção Rosa, que seria a primeira fundada por mulheres.
“Aqui, como na maioria do Nordeste, são facções locais que estão nas unidades para poder controlar o comércio de drogas, celulares e até prostituição”, afirmou.
Apesar de uma população bem menor do que a dos presídios masculinos, as unidades de mulheres enfrentam a mesma precariedade - superlotação, ociosidade e muitos presos provisórios. Essa falta de estrutura é um fator decisivo para a infiltração das facções.
“Não temos ainda facções nas unidades femininas aqui no estado, mas a gente tem a consciência de que os grupos vão se organizando como maneira de sobreviver porque o estado não cumpre seu papel. Então, o que aconteceu com os homens não é difícil que aconteça com as mulheres se o estado não cuidar dessa situação”, avaliou o representante da Pastoral Carcerária na Paraíba, padre Bosco.
Sociólogo e especialista em Segurança Pública na Bahia, Luiz Claudio Lourenço destaca que o aprisionamento cada vez maior de mulheres acaba criando um ambiente favorável ao recrutamento para o crime pelas facções. “Nas ruas as mulheres ainda não são o alvo preferencial das ações policiais”.
No Rio de Janeiro não há registro de facções nas unidades femininas, segundo a ex-vice-presidente do Conselho Penitenciário do estado, Luciana Boiteux. Ela explica que, de maneira geral, as prisões femininas são ocupadas por mulheres que não têm histórico na criminalidade e, portanto, ela não acredita que as facções têm influência relevante nas unidades.
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