Apesar de diversas manifestações contrárias de grupos defensores dos animais, o senador Otto Alencar (PSD-BA), relator do projeto de lei que eleva rodeios e vaquejadas à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio imaterial, dará parecer favorável à matéria. O PLC 24/2016 tramita neste momento na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado (CE), presidida por Romário (PSB-RJ), e aguarda o parecer do relator para ir à votação.
O teor do relatório será conhecido nos próximos dias, mas Alencar já se mostrou favorável ao texto. O parlamentar afirma que as vaquejadas empregam cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil. “Esse projeto que está em votação preserva os empregos dos vaqueiros e também protege o animal. Hoje em dia já existem determinações específicas sobre esse tipo de evento. Nas vaquejadas, por exemplo, todos os bois são adultos e todas as caudas são artificiais, então não há sofrimento. Sinceramente, não vejo essa defesa de patrimônio cultural como nociva”, diz.
Os grupos defensores de animais enxergam a questão de forma diferente. Contrários à proposta, os integrantes do Fórum Nacional de Proteção e Defesa dos Animais (órgão colegiado que reúne 126 ONGs em 19 estados) e outras organizações já articulam um movimento de pressão a parlamentares para barrar a iniciativa. O projeto está aberto para consulta pública e até o fechamento desta reportagem já havia recebido 7.843 votos favoráveis à liberação e 16,8 mil contrários.
O grupo também colhe assinaturas para um abaixo-assinado que já conta com mais de 3,5 mil rubricas. Além disso, eles têm encaminhado e-mails aos 81 senadores com uma mensagem padrão. No texto, afirmam que o projeto de lei seria inconstitucional por violar o artigo 225 da Constituição Federal e a Lei de Crimes Ambientais, que versam sobre o dever da União em proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, práticas que as coloquem em risco.
Uma vez aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o projeto de lei segue para o plenário, o que deve acontecer depois de agosto. O calendário do Senado dá prioridade nos próximos dias para a votação final do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff (PT).
Apoios
Segundo Otto Alencar (PSD-BA), a relatoria do projeto caiu no seu colo a pedido do senador Romário (PSB), presidente da Comissão de Educação. O congressista alega que tem recebido muitas manifestações de associações de defesas de animais, mas afirma que o apoio por parte dos vaqueiros tem sido maior. “Minha caixa de entrada tem mais e-mails a favor do projeto do que contra ele. Inclusive, tem um movimento dos vaqueiros do Nordeste que prometeu vir a Brasília com 15 mil caminhões no dia da votação final do projeto, no plenário da Casa. Pedi para que não fizessem”.
O autor do projeto na Câmara, deputado Capitão Augusto (PR-SP), comemorou a aprovação do texto no ano passado. Ele defende principalmente as práticas dos rodeios, famosos no interior de São Paulo. “Os que criticam vivem em churrascaria. Ano passado nós tivemos a oportunidade de debater. Foram feitas audiências na Comissão no Meio Ambiente e na Comissão da Agricultura. Não há maus tratos a esses animais. Os ativistas apresentam muitas mentiras”, afirma.
A questão econômica é um dos pontos destacados pelo parlamentar. “O Hospital do Câncer de Barretos foi construído com o dinheiro dessas festas. Elas atraem grandes artistas que também estão nos dando apoio”, continua.
Em abril, o Ministério Público da Bahia emitiu nota acerca do tema. Sobre uma vaquejada específica, os procuradores “recomendaram o cumprimento de 17 cláusulas que especificam medidas contra maus tratos aos animais, contra a poluição sonora e pela segurança dos vaqueiros e espectadores”.
Discussão no STF
Em junho, o Supremo Tribunal Federal interrompeu o julgamento da constitucionalidade de uma lei estadual do Ceará que classifica a vaquejada como atividade desportiva e cultural. O processo está com o ministro Dias Toffoli, que pediu vista. Até o momento, há um empate de 4 a 4.
O ministro Luís Roberto Barroso disse em seu voto a favor da cassação da lei que a vaquejada é “inerentemente cruel e lesiva para o animal”. Já o ministro Gilmar Mendes, na ocasião, rebateu: “Temos uma prática generalizada na região Nordeste, que atrai um número enorme de pessoas, que acabariam por fazer isso a despeito da nossa declaração”.
O que dizem os contrários ao projeto
Médica veterinária especialista em bem-estar animal e diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa dos Animais, Vânia Plaza Nunesal alega que a aprovação do projeto fere a Constituição e atende apenas a interesses comerciais dos grandes produtores de vaquejadas e rodeio.
“A convite do Ministério Público eu visitei vaquejadas. Elas foram somadas ao projeto dos rodeios. Ambos causam danos similares aos animais. Os defensores argumentam que a pista de areia, o protetor de cauda e as esporas de borracha limitam o sofrimento. Mas nada disso minimiza o risco, o dano e o impacto nos animais”, afirma.
Alaim Giovani Fortes Stefanello, presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná, afirma que o texto em discussão não prevê os direitos já adquiridos pelos animais na própria Constituição e na Lei de Crimes Ambientais. “Em princípio, minha posição pessoal é contrária ao projeto. Apesar de ser um hábito cultural do Nordeste, a vaquejada não pode ser considerada como algo que não força maus tratos aos animais”, pondera.
Também contrário à proposta, o deputado Max Filho (PSDB-ES), disse à época da aprovação na Câmara que os parlamentares precisam entender um novo momento no relacionamento entre humanos e animais. “Alguns hábitos antigos estão sendo substituídos em favor de uma nova cultura de valorização da vida, de proteção dos animais e combate aos maus-tratos.”
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