Era início da tarde de segunda-feira, 25 de abril de 2004, quando uma mulher bate aflita à porta do Conselho Tutelar de Santa Felicidade para dar queixa do seqüestro dos filhos gêmeos de 3 anos de idade. Os mais velhos, de 10 e 11 anos, estavam mendigando nas ruas de Curitiba na noite da invasão do barraco. Ela não viu nada e só deu pela falta do casal de gêmeos quando acordou com o dia já avançado. Pela voz dos conselheiros tutelares, reconstituiu cada detalhe da "cena do crime", que ignorava mesmo estando no local. Foi então que aquela mulher começou a se dar conta de que o perigo não eram os outros, era ela.
O risco para os filhos da mulher, cujo nome não pode ser revelado, cessou na madrugada de domingo. Pouco antes, o choro contínuo de criança vindo de um dos barracos do cortiço, repetida noites, levou os vizinhos a chamarem os conselheiros tutelares e o Resgate Social da Prefeitura. Ao forçarem a porta do barraco, descortinou-se a pior das cenas: a mulher deitada nua na cama com um homem, tendo aos pés um dos gêmeos (a menina já havia sido acudida por uma vizinha), roupas íntimas jogadas por todos os lados, o penico cheio de fezes e urina no meio da sala, ratos correndo pelos cantos, restos de comida sobre o fogão, a pia e o chão.
Nada fez a mulher acordar, nem os gritos das crianças ao serem retiradas dali. Estava embriagada, como de costume. Nem ficou vermelha ao ouvir no dia seguinte o sermão do conselheiro Ronaldo Marafon. "É, acho que então foi você mesmo", disse ao saber que o "seqüestrador" era Ronaldo. Ela já havia sido alertada pelo Conselho em 1999 por deixar os filhos fora da escola. O episódio daquela madrugada poderia ser a gota dágua para a perda do poder familiar, mas ainda teve novas chances. Passou por seis psicólogos e psiquiatras. Para todos negava ser alcoolista e nunca aceitou ser internada para tratamento.
Reincidência
Os conselheiros conseguiram emprego para ela, que ficou com os dois filhos mais velhos enquanto os gêmeos permaneciam albergados. Os meninos foram incluídos na catequese, na escola e em programas sociais da prefeitura. A mulher ganhou cestas básicas e doações. O dono do cortiço aceitou isentá-la do aluguel mediante serviços de limpeza no lugar. Nada adiantou. Ela continuou a beber. O resultado foi a perda do poder familiar sobre os quatro filhos, que estão à espera de adoção. Antes, diante da ameaça de perder as crianças, ela respondeu aos conselheiros: "Pode tirar, eu tenho barriga para fazer mais dois". (MK)