Rio de Janeiro - Na porta do Instituto Médico-Legal (IML) de Nova Friburgo, na região serrana do Rio, Marisol passa os olhos, mais uma vez, pela lista de mortos. Há uma semana ela procura notícias do marido, o gesseiro Melquizedete de Oliveira, 49 anos. Ele estava no bairro Duas Pedras e sua casa foi uma das atingidas na madrugada do último dia 12. Vizinhos contaram que o viram vivo. Marisol já buscou em hospitais e em abrigos, mas não obteve informações. "Tenho medo que ele tenha ficado preso em algum deslizamento. O filho de 11 anos está desesperado por notícias do pai."
O drama de Marisol é comum entre os parentes dos 229 desaparecidos em toda a região serrana por causa da chuva, que já causou a morte de 744 pessoas. O dado dos desaparecidos é do Ministério Público do Rio (MP-RJ), que usa o Programa de Identificação de Vítima (PIV) para ajudar os sobreviventes a localizar os parentes vivos ou mortos. Criado no ano passado para esclarecer os 100 desaparecimentos de pessoas por mês no Rio, o PIV pela primeira vez é utilizado em uma grande catástrofe.
Os promotores estão conectados em tempo real com os sistemas dos hospitais públicos, do IML e da Polícia Civil. Na lista nominal dos desaparecidos, detalhes que podem ajudar na identificação, como tatuagens, fraturas e cicatrizes, estão ao lado dos nomes. Assim, pessoas sem identificação podem ser localizadas pela descrição nos hospitais ou no IML. "Os números de desaparecidos fornecidos pelas prefeituras são maiores, pois eles registram muitos desaparecimentos duas vezes. Aqui temos a possibilidade de cruzar dados, eliminar os excessos e ter uma lista mais qualificada", diz o promotor Pedro Borges.
Os promotores tentam desvendar desaparecimentos de famílias inteiras, como a de Geise Queiroz Louvise, que sumiu na enxurrada com o marido, a filha, o filho, o genro e a nora. Na listagem, 25 pessoas constam como sumidas em "localidades não informadas".
Um desses casos é o de Gustavo Cunha de Souza. A casa dele foi arrastada pelas águas na Barra da Bengala, nas proximidades do Rio Grande e perto do limite com a localidade de Bom Jardim. Por causa disso, o local para a busca ao corpo é incerto. "É um desafio, mas nossa meta é identificar todos os corpos resgatados", diz Borges. "Foram várias trombas dágua em uma grande área geográfica. Muitos corpos de moradores foram encontrados em cidades vizinhas. Sem um banco de dados para cruzar as informações, a identificação seria difícil."
Uma semana depois de ter rolado por 3 quilômetros, levado pelas águas que demoliram sua casa, em Teresópolis, o operário Wendel da Silva Cunha, 32 anos, sofre com a falta de notícias de duas filhas, de 4 e 6 anos, e da mulher, Emiliane Almeida da Silva, 21 anos. Vizinhos dizem ter visto Emiliane com vida, em um helicóptero que resgatou sobreviventes. A filha caçula, Yasmin, 2 anos, morreu soterrada. Ele ainda tenta localizar a mulher. Hoje, pretende ir ao Rio procurá-la em hospitais.
Rotina
Passados oito dias do temporal, Nova Friburgo está longe de voltar ao normal. Em São Geraldo e Nova Esperança o fornecimentro de luz e água ainda não foi restabelecido. "As pessoas estão recorrendo a velas e pegando água de chuva e até puxando água de nascente com mangueira", disse a costuteira Andreia Hattz, 35 anos.
Na Praça do Suspiro, cartão-postal da cidade, operários trabalham para desobstruir os acessos que ainda estão tomados por terra e lama. A Igreja de São Francisco está em ruínas. A partir de hoje, a prefeitura começa a cadastrar as famílias para o recebimeno de auxílio-moradia. A prefeitura também está abrindo o cadastramento de 100 postos de trabalho temporário para as empreiteiras que estão participando dos trabalhos de recuperação da cidade.