Há pouco mais de um mês, a jovem R.A.P., 19 anos, mantém o irmão de 17 anos amarrado com pedaços de tecido em uma cama em um casebre de madeira no bairro Novo Mundo, em Curitiba, onde mora com o marido e outro irmão de 13 anos. O rapaz tem sequelas neurológicas causadas pela inalação do solvente thinner, desde os 12 anos. Prestes a ter um bebê, R. quer internar o irmão. Desde a morte da mãe e do pai, é ela quem cuida dos irmãos.
De maio a outubro do ano passado o rapaz ficou internado na Clínica HJ, em União da Vitória. Ele recebeu "alta melhorada", o que indica que o tratamento deve continuar. Em Curitiba, ficou no abrigo Casa do Piá 2, no Boqueirão. Mas fugiu e perdeu a vaga. "Ele fugiu duas vezes. Na segunda, foi esfaqueado", diz R. "Agora deixo ele amarrado, porque ele é muito agressivo. Não aguento mais essa situação, mas ele é meu irmão e não posso abandoná-lo."
No mês passado o rapaz teve dois surtos. Na primeira vez, foi encaminhado para o posto de saúde 24 horas do Fazendinha. "O médico disse que não podia fazer nada e voltamos para casa", afirma a irmã. Na segunda vez, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgências (Samu) apenas esteve na residência. "Eles perguntaram se ele queria ir, mas ele não falou nada porque não está em condições de decidir. Disseram que eu preciso de um mandado judicial para fazer a internação."
A Secretaria Municipal da Saúde informou que a família esteve no posto em 5 de maio e que a recomendação foi pelo internamento. A família, no entanto, teria exigido uma vaga em União da Vitória e deixado a unidade. No dia 10, segundo a assessoria, uma equipe da unidade de saúde Aurora, que fica na região, esteve na casa de R. e chamou o Samu para internar o adolescente. A família teria se recusado e assinado um termo afirmando que não queria a remoção.
A juíza da 1.ª Vara da Infância e Juventude, Lidia Munhoz Mattos Guedes, teria expedido na terça-feira à tarde um pedido para que o irmão de R. recebesse o atendimento médico em casa. A informação não foi confirmada pela reportagem. Até ontem, nenhum atendimento tinha sido feito.
Internar ou não?
O caso divide a opinião de especialistas. Para o psiquiatra Dagoberto Requião, o rapaz precisa ser internado, já que o uso do solvente compromete o sistema neurológico e a abstinência pode levar ao coma e até à morte. "A existência de um sistema de saúde perverso, aliada ao desespero da família, acaba resultando, infelizmente, em um cárcere privado", avalia o médico.
A chefe do Departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Elisa Zanerato Rosa, diz que o ideal é oferecer um serviço que acolha o adolescente durante o dia e trabalhe com a família. "O atendimento diário não significa que o paciente vá ficar sem acompanhamento, à própria sorte", afirma.
Serviço:
O atendimento deve ser procurado nas unidades de saúde ou no Centro Municipal de Urgências Médicas.
Outros locais:
Centro Psiquiátrico Metropolitano (CPM): Travessa João Prosdócimo, 139, Alto da 15. Telefone: (41) 3264-6462.
Centro Vida (Capsad) Rua Cel. Hoche Pedra Pires, 475, Vila Izabel. Telefone: (41) 3340-2181.
Ministério Público: Rua Marechal Hermes, 751, Centro Cívico. Telefone: (41) 3250-4000.