Acompanhe a cobertura especial
Leia no Blog Vida e Cidadania os relatos dos repórteres Bruna Maestri Walter e Jonathan Campos, enviados da Gazeta do Povo ao Nordeste
Diário da enchente
Sofrimento
> A maioria dos moradores das áreas atingidas pela enxurrada em Alagoas é bem simples e carente. As pessoas também são muito prestativas e sempre querem ajudar. Tem gente que até para de falar e olha atentamente para a câmera fotográfica, parecendo aguardar alguma ordem sobre o que fazer.
O "argentino"
> Em São José da Laje mora um ferrenho "antitorcedor" do Brasil. Ontem, ele estava com a camisa da Argentina, com o número do jogador Messi. "Não torço para o Brasil. Quando foi para ser penta, se vendeu contra a França. Para mim, a Argentina não é time vendido. Acho que vai dar 1 a 0 para o Chile", dizia Almir João dos Santos, 28 anos.
Bruna Maestri Walter e Jonathan Campos, enviados da Gazeta do Povo a Alagoas
Energia acaba justo na hora do jogo do Brasil
A animação para assistir ao jogo do Brasil contra o Chile, ontem, era grande entre os moradores de Murici, em Alagoas. Muitos apontavam que essa seria uma grande alegria, depois de tanta tragédia. Mas, justamente na hora da partida, às 15h30, boa parte da cidade ficou sem luz.
Chuva adia retorno para casa
A chuva intensa que caiu entre domingo e ontem pela madrugada em Alagoas tirou a esperança de famílias que queriam voltar para as casas que ficaram de pé. Os rios Mundaú e Canhoto voltaram a encher e a Defesa Civil emitiu um alerta no domingo para que os moradores saíssem das áreas de risco.
Número de mortes sobe para 20
O número de mortes provocadas pelas chuvas em Pernambuco subiu ontem de 18 para 20. Uma criança morreu soterrada por um deslizamento de barreira no Alto de Santa Terezinha, no Recife, e o corpo de Leonilson Ferreira da Silva, 34 anos, foi encontrado em Gameleira, na Zona da Mata, região onde a população voltou a se assombrar com as chuvas dos últimos dias.
Murici (AL) - Uma simples pergunta sobre a situação do abrigo na cidade alagoana de Murici provoca uma resposta interminável. "A imundície está grande, tem criança que está doente no abrigo, ninguém quer cooperar na limpeza do banheiro, fazem necessidades no chão, o que tiram do banheiro jogam no pátio de trás, tem muito lixo, muito cachorro, muita mulher com frieira", desabafa a empregada doméstica Maria Cícera da Silva, que vive temporariamente num ginásio. Logo que ela responde a pergunta, outros desabrigados se juntam e elencam uma série de problemas do local onde têm vivido após a enxurrada que atingiu Alagoas e Pernambuco e deixou 54 mortos até ontem.
De maneira geral, os abrigos com poucas pessoas são organizados e limpos. Já os que reúnem mais desabrigados apresentam problemas, como acontece em três galpões, com 1.870 pessoas no total, e um ginásio, com 500 desabrigados, na cidade de Murici. Nos dois locais, o cheiro forte que vem dos banheiros é sentido antes mesmo de se entrar no local. Na entrada também é possível observar gente jogando restos de comida no chão, que logo são aproveitados por cachorros. Os animais vivem com os moradores e muitas crianças não desgrudam deles. Em meio a isso, mulheres fazem comida.
Ontem, apesar do cheiro forte, a dona de casa Maria da Silva descascava mandioca para o jantar no ginásio que serve de abrigo. O fogão é improvisado com carvão, no qual Maria iria preparar mandioca assada com ovo. Ela mora num espaço pequeno, separado por cadeiras e lençóis, bem perto do banheiro. "É um fedor", diz. Segundo o cortador de cana José Cícero da Silva Ferreira, não dá nem vontade de comer por causa do cheiro. Para a dona de casa Rosimeire Maria da Silva, o problema é a falta de água encanada para a limpeza. Por causa da situação nos banheiros, ela conta que há pessoas fazendo as necessidades fisiológicas no mato.
Os atingidos dizem que os abrigos são a única maneira que têm para sobreviver. Mesmo assim, a ambulante Maria das Graças Gonçalves de Lima aguentou apenas um dia no abrigo. "Não gostei. Era muita criança, umas estavam com diarreia", descreve. A casa dela foi atingida, mas ficou de pé. Após uma limpeza, Maria voltou a morar na sua casa com a família, mesmo sabendo da possibilidade de novas cheias.
Muitas das tarefas são de responsabilidade dos desabrigados. Por causam disso, começam a surgir desentendimentos sobre quem irá limpar o banheiro, quais são as regras e o que fazer com relação ao barulho. "À noite quase ninguém dorme. Tem muito movimento. Acordei às 5 horas. Várias crianças acordam chorando", diz a dona de casa Maria Josilene Tenório da Silva, enquanto pendurava roupa na cerca de arame farpado. Ela vive no galpão que fica às margens da BR-104. Do outro lado da rodovia, moradores aproveitam a cerca como varal.
Já o outro abrigo, que fica em um ginásio, está localizado bem próximo ao centro de Murici e o desentendimento não fica só entre os desabrigados. "Não dá para chegar na porta porque o cheiro está grande", diz a dona de casa Luiza Batista da Silva, que mora provisoriamente na casa ao lado. Há quem diga que os vizinhos estão até preparando um abaixo-assinado para retirar o abrigo de lá. A situação só tende a piorar.
Organização
O tenente-coronel Paulo Roberto Marques de Lima, coordenador da operação no município de Murici, diz que os próprios moradores dos abrigos têm de se organizar. Ele explica que a limpeza e a organização são de responsabilidade da liderança do abrigo. À Defesa Civil cabe o trabalho de assistência.
Segundo o tenente-coronel, serão fixadas condicionalidades aos desabrigados para que eles sejam estimulados a colaborar. "Para dar responsabilidades e fazer com que voltem à normalidade, e não fiquem só no trabalho de assistência", diz Lima. "Não sei quanto tempo vai durar nosso trabalho. Em algum momento vamos ter de sair", afirma.
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