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O segundo dia de audiências no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o aborto de fetos anencéfalos contou com uma polêmica em torno sobre o diagnóstico de Marcela de Jesus Galante Ferreira, que tem sido usada como argumento dos contrários ao aborto por ter vivido por um ano e oito meses supostamente sem cérebro. Pela lei brasileira, o aborto só é permitido em caso de estupro e de risco de vida para a mãe.

Na terça-feira, o STF ouviu religiosos sobre o tema.

Segundo o médico Everton Pettersen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, a criança tinha na verdade merencefalia, que é a ausência de parte do cérebro, o que permitiu sua sobrevida.

- Posso provar que é uma falsa idéia de anencefalia. Ela tem tronco cerebral e parte do lóbulo cerebral. É um caso bem mais raro que anencefalia - afirmou.

Após Pettersen ter contestado o diagnóstico de anencefalia de Marcela, o ministro Marco Aurélio Mello disse que a corte perdeu o "gancho" para decidir contra a permissão do aborto de anencéfalos.

- Não se terá mais o gancho que se teria pela não-interrupção da gravidez do caso da Marcela - afirmou o ministro, que é relator do pedido da Confederação Nacional de Trabalhadores em Saúde (CNTS) para autorizar a interrupção da gravidez.

Perguntado se ele acha que vai ser um placar apertado, mas a favor da autorização do aborto, Marco Aurélio foi categórico:

- Espero que o placar seja acachapante, seja de 11 a 0.

O ministro afirmou que decidiu fazer audiências públicas antes de produzir seu relatório após o mesmo ter acontecido no caso da permissão das pesquisas com células-tronco.

- O que me incentivou foi a visão, embora por um escore apertado, do tribunal quanto às pesquisas de células-tronco. Creio que hoje o tribunal é um tribunal menos ortodoxo - disse.

Médico é contestado por especialista de movimento contra aborto

Pettersen foi contestado por Lenise Garcia, professora de biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Nacional Brasil sem Aborto. Com base em depoimentos de médicos, ela afirmou que Marcela tinha sim anencefalia. Ela reclamou do fato dos partidários de permitir o aborto pela ausência de cérebro evitarem utilizar a palavra aborto e preferirem dizer "interrupção de gravidez", sob o argumento de que no caso não "potencialidade de vida".

- O aborto do anencéfalo caracteriza-se sim em aborto eugênico. É aborto mesmo, vamos parar com eufemismo. O anencéfalo é um deficiente, ele não é um morto-vivo - criticou.

O médico Roberto Luiz D'Ávila, do Conselho Federal de Medicina, ressaltou que o que se quer é apenas autorizar o direito ao aborto às mulheres que assim desejarem, respeitando-se o direito daquelas que quiserem continuar a gravidez.

- Em nome do respeito à autonomia da vontade das pessoas, em nome de uma boa prática médica, em nome da manutenção desse exercício profissional que trabalha buscando a beneficência das pessoas, entendemos que o Supremo deve considerar esse caso definitivamente para que não fiquemos mais a mercê dos humores do Poder Judiciário e do juiz de plantão - disse.

O deputado Luiz Bassuma (PT-BA), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida, ressaltou que o direito à vida está claro na Constituição e argumentou que o aborto de anencéfalos abre margem para a interrupção da gravidez no caso de outras deficiências.

- Estaremos abrindo uma janela para abortar quem tem síndrome de Down, ou matar uma criança que sofreu uma grave queimadura simplesmente porque não é mais esteticamente perfeita - exemplificou.

Também falaram a favor da permissão do aborto de fetos sem cérebro o médico Salmo Raskin, da Sociedade Brasileira de Genética Clínica, e o deputado José Aristodemo Pinotti (DEM-SP), professor da USP e da Unicamp, membro da Academia Nacional de Medicina e assessor da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Assuntos de Saúde da Mulher.

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