Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram, nesta quarta-feira (27), às 9h, o julgamento em que decidirão se a demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, será mantida ou modificada. Está em jogo a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores brancos em parte da área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang.
Os brancos se recusam a deixar a reserva por não concordar com as indenizações propostas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) após o decreto de homologação, de 15 de abril de 2005. Os índios reivindicam, sob o argumento de se tratarem de terras tradicionais, o direito de exercer a ocupação exclusiva da área, aguardada há décadas.
Ao todo, há no STF 33 ações que contestam a demarcação. A que será julgada hoje foi protocolada pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB). Eles sustentam que o laudo antropológico que resultou na demarcação em faixa contínua é falso e defendem a exclusão de áreas produtivas, sede de municípios e estradas. A decisão que for tomada pelo STF neste processo deverá ser estendida aos demais sobre o mesmo tema e influenciar o reconhecimento de outras terras indígenas no país.
"Nós vamos decidir sobre Raposa Serra do Sol. Mas se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais objetivas, é evidente que isso servirá de parâmetro para todo processo demarcatório, se não os passados, ao menos os futuros", afirmou nesta semana o relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto.
A tensão instalada em Roraima é um ingrediente a mais para a disputa. Em abril deste ano, uma operação da Polícia Federal (PF) para a retirada dos não-índios foi suspensa por liminar do próprio STF. Na época, pontes de acesso terra indígena foram destruídas e uma base de resistência armada foi montada na Vila Surumu sob a orientação do líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima (RR). Quartiero já foi preso duas vezes, uma delas em maio, quando índios foram baleados por funcionários do produtor ao tentar construir malocas nos limites de sua propriedade.
Nos últimos dias, índios e produtores intensificaram manifestações públicas e trocaram ameaças. Pelos menos 300 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança monitoram a área.
Para tornar a questão ainda mais complexa, as próprias comunidades indígenas se dividem entre o apoio e o repúdio aos produtores de arroz, sentimentos potencializados pela influência religiosa. Comunidades evangélicas não se opõem permanência dos arrozeiros, enquanto as católicas querem a expulsão. Uns dizem que os produtores geram emprego, outros que eles degradam o meio ambiente e ameaçam as tradições indígenas.
O julgamento deverá durar pelo menos dois dias, caso não haja pedido de vista, e começará pela leitura do relatório do ministro Britto. Em seguida, várias partes interessadas deverão fazer sustentações orais. De um lado, a Advocacia Geral da União (AGU), a Funai e o Conselho de Indígenas de Roraima, em defesa da demarcação contínua. De outro, os autores da ação, o governo de Roraima e a associação dos arrozeiros do estado pela anulação da demarcação. A Procuradoria Geral da República também apresentará um parecer.
O relator revelará o seu voto, redigido em 108 páginas, após todas as partes se manifestarem. Nos últimos meses, todas as vezes em que foi questionado sobre a matéria, Ayres Britto evitou declarações conclusivas, mas revelou ter observado em visita Raposa Serra do Sol vazios demográficos. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, chegou a declarar que a Constituição Federal oferece soluções adequadas para o impasse.
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